Anestesia e Saúde Mental: Manejo de Pacientes com Transtornos Psiquiátricos

A administração de anestesia em pacientes com transtornos psiquiátricos requer uma abordagem cuidadosa, capaz de abordar não apenas as características clínicas e fisiológicas, mas também as nuances emocionais e comportamentais. Esses indivíduos podem apresentar desafios únicos, como maior ansiedade pré-operatória, distorção da percepção de risco, uso de medicações psicoativas e comorbidades médicas ou sociais. Neste artigo, discutiremos as melhores práticas e cuidados especiais que o anestesiologista deve adotar para garantir o bem-estar e a segurança desses pacientes, desde a avaliação pré-operatória até o período pós-operatório. 

1. Transtornos Psiquiátricos e Impacto no Manejo Anestésico

 Pacientes com depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno bipolar ou outros transtornos mentais podem apresentar alterações neuroquímicas, comportamentais e farmacológicas que influenciam a resposta à anestesia. Além disso, há maior risco de abandono do tratamento médico ou de atraso no comparecimento às consultas. Tais fatores podem resultar em avaliações pré-operatórias incompletas e subestimar possíveis complicações. 

1.1 Uso de Medicações Psicoativas

  • Antidepressivos: Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), tricíclicos ou inibidores da monoamina oxidase (IMAO) podem interagir com anestésicos e analgésicos, alterando a estabilidade hemodinâmica ou potencializando efeitos sedativos.
  • Antipsicóticos: Podem desencadear problemas de regulação autonômica, como hipotensão ortostática e prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma.
  • Estabilizadores de humor (ex.: lítio): Exigem monitoramento de níveis séricos e atenção ao balanço eletrolítico. O uso conjunto com diuréticos pode agravar o risco de toxicidade.

1.2 Abuso de Substâncias

Muitos pacientes com transtornos mentais podem apresentar abuso ou dependência de álcool e outras substâncias, o que interfere na metabolização de agentes anestésicos e aumenta o risco de complicações cardiorrespiratórias. Avaliar o histórico de uso de drogas (lícitas ou ilícitas) é essencial para uma estratégia anestésica segura. 

2. Avaliação Pré-Anestésica: Planejamento e Comunicação

 

2.1 Histórico Psiquiátrico Detalhado

A comunicação com a equipe de psiquiatria e uma entrevista pré-anestésica minuciosa são fundamentais. Identificar a gravidade do transtorno, episódios recentes de descompensação, ideação suicida ou tentativa de autoextermínio ajuda a estimar os riscos e a formular um plano de cuidados mais assertivo.Pontos importantes:
  • Verificar se o paciente está em acompanhamento regular.
  • Obter lista de medicações em uso, bem como doses e frequência.
  • Avaliar estabilidade emocional e capacidade de compreensão sobre o procedimento.

2.2 Presença de Cuidadores ou Familiares

A possibilidade de ter um familiar ou cuidador próximo durante a avaliação e no momento pré-operatório pode reduzir a ansiedade do paciente. Além disso, o cuidador pode fornecer informações valiosas sobre comportamento, reações anteriores a procedimentos médicos e eventuais sensibilidades ou gatilhos emocionais. 

3. Manejo Intraoperatório

 

3.1 Seleção de Fármacos

Uma das principais preocupações ao anestesiar pacientes com transtornos psiquiátricos é a interação farmacológica. A escolha deve recair em agentes com menor potencial de alterar o estado mental, induzir crises ou provocar efeitos colaterais graves.
  • Uso cauteloso de benzodiazepínicos: Indivíduos com histórico de abuso de substâncias podem ser mais propensos ao desenvolvimento de dependência ou apresentar resistência.
  • Bloqueios regionais: Sempre que possível, a anestesia regional pode minimizar a exposição sistêmica a vários agentes. Entretanto, é necessária uma avaliação se o paciente tolera o fato de permanecer acordado no ambiente cirúrgico, pois isso pode agravar ansiedade ou surtos psicóticos em situações específicas.

3.2 Monitorização e Vigilância de Eventos Psicossomáticos

  • Monitorização avançada: Equipamentos de avaliação contínua de variáveis hemodinâmicas e neuromusculares podem ajudar a detectar precocemente sinais de desestabilização autonômica, especialmente em pacientes com esquizofrenia ou mania aguda.
  • Intervenções rápidas: Em casos de agitação, delírio ou reações psicóticas emergentes, a comunicação eficaz entre equipe anestésica, cirúrgica e de enfermagem garante a segurança do paciente e dos profissionais.

3.3 Ambiente Cirúrgico Acolhedor

Reduzir estímulos luminosos, ruídos desnecessários e conversas paralelas pode amenizar o estresse em pacientes mais sensíveis. A humanização do ambiente, associada a uma abordagem calma e didática, ajuda no controle da ansiedade e favorece a colaboração durante a indução ou procedimentos de sedação. 

4. Pós-Operatório e Suporte Multiprofissional

 

4.1 Monitoramento de Delirium e Descompensação Emocional

No pós-operatório, pacientes com transtornos mentais estão mais suscetíveis a delirium e alterações de comportamento, seja pelo desequilíbrio hidroeletrolítico, seja pelas repercussões de medicações anestésicas ou mesmo pelo estresse cirúrgico. A vigilância deve incluir:
  • Avaliação frequente do nível de consciência.
  • Acompanhamento de possíveis alucinações, paranoia ou ideias de autoextermínio.
  • Ajustes medicamentosos em conjunto com psiquiatras e enfermeiros especializados, se necessário.

4.2 Analgesia e Controle de Dor

A dor mal controlada pode intensificar sintomas psiquiátricos e desencadear crises de ansiedade ou agitação. Por outro lado, o uso excessivo de opioides traz riscos de sedação excessiva e confusão mental. Uma abordagem multimodal de analgesia, combinando agentes não opioides (anti-inflamatórios, paracetamol, anestésicos locais) e técnicas regionais, pode reduzir a necessidade de altas doses de opioides e promover recuperação mais estável.

4.3 Continuidade do Tratamento Psiquiátrico

Assim que o paciente estiver clinicamente estável, é fundamental retomar ou ajustar a terapia psiquiátrica de base. Muitas vezes, a internação cirúrgica serve como oportunidade de revisar o regime de medicações e assegurar melhor adesão ao tratamento. Manter o paciente e os familiares bem informados acerca das próximas etapas — fisioterapia, retorno ambulatorial, consulta com psiquiatra — também contribui para o sucesso no pós-operatório tardio. 

Conclusão

O manejo anestésico de pacientes com transtornos psiquiátricos é um desafio que demanda atenção redobrada quanto aos aspectos emocionais, comportamentais e farmacológicos. Uma avaliação pré-operatória aprofundada, comunicação fluida com a equipe de saúde mental e um plano anestésico individualizado são elementos essenciais para reduzir riscos e oferecer uma experiência mais segura e humanizada. Do pré ao pós-operatório, a colaboração multidisciplinar — que envolve anestesiologistas, cirurgiões, psiquiatras, enfermeiros e psicólogos — garante que esses pacientes recebam cuidados abrangentes, maximizando a chance de um desfecho bem-sucedido.

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