Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton

Introdução à Síndrome de Lambert-Eaton (LEMS) e Desafios Anestésicos

A Síndrome de Lambert-Eaton (LEMS) caracteriza-se pela redução na liberação de acetilcolina na placa motora, decorrente de autoanticorpos que atacam os canais de cálcio pré-sinápticos na junção neuromuscular. Com isso, a produção do potencial de ação no músculo é prejudicada, gerando fraqueza proximal, reflexos tendíneos reduzidos e possível acometimento autonômico. Para o anestesiologista, essa combinação implica um conjunto de desafios que vão desde a condução do bloqueio neuromuscular até a estabilidade hemodinâmica. Em Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton, entender o impacto do menor fluxo de acetilcolina e das possíveis comorbidades, como neoplasias (em especial, carcinoma de pulmão de pequenas células), é fundamental para delinear um plano seguro. 

Fisiopatologia da LEMS e Implicações na Anestesia

Na LEMS, a falha de liberação adequada de acetilcolina resulta em fraqueza, mais acentuada nos membros inferiores e de padrão proximal. Diferentemente de outras síndromes miastênicas, breves exercícios podem melhorar transitoriamente a força, pois facilitam a mobilização de vesículas de acetilcolina remanescentes. Entretanto, no ambiente cirúrgico, a aplicação de agentes anestésicos, relaxantes ou sedativos pode potencializar a diminuição de acetilcolina pré-sináptica, agravando a fraqueza. Em Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton, observa-se ainda a disfunção autonômica, responsável por hipotensão ortostática, boca seca, constipação e diminuição das secreções, o que pode complicar a compensação cardiovascular durante a indução e a manutenção anestésica. 

Avaliação Pré-Operatória e Risco Oncológico

Uma fração expressiva de pacientes com LEMS apresenta origem paraneoplásica, sendo o carcinoma de pequenas células do pulmão o principal correlato. Por isso, antes de um ato cirúrgico, recomenda-se investigar a presença de tumores, avaliar o status clínico (via tomografia torácica, marcadores tumorais, etc.) e checar a estabilidade oncológica. Em Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton, a cardiopatia ou a fragilidade do estado geral podem advir do câncer, exigindo maior atenção durante a indução e a reposição volêmica. No que se refere ao grau de fraqueza, testes simples de força e breves exercícios que melhoram a contração (característica da LEMS) ajudam a quantificar a capacidade funcional. Medir pressão arterial em supino e em ortostase detecta a relevância da hipotensão ortostática, orientando a correção hídrica ou o preparo para uso cauteloso de vasopressores. 

Escolha de Fármacos Hipnóticos e Analgésicos

Na indução anestésica, agentes como propofol, etomidato ou midazolam podem ser empregados em doses ajustadas, pois a sensibilidade à sedação e ao relaxamento neuromuscular tende a ser maior que a de pacientes sem LEMS. O uso de opioides (por exemplo, fentanil, remifentanil) também deve ser titulado para evitar depressão respiratória profunda, levando-se em conta a possível debilidade da musculatura respiratória. Em Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton, a manutenção pode ser feita tanto com inalatórios em baixas concentrações quanto com TIVA (propofol + remifentanil). O essencial é evitar oscilações hemodinâmicas bruscas, lembrando que a hipotensão pode não ser compensada adequadamente devido à disfunção autonômica. Para analgesia, a associação de anti-inflamatórios não esteroides, paracetamol e bloqueios regionais em doses baixas auxilia a reduzir a demanda de opioides potentes, diminuindo o risco de hipoventilação pós-operatória. 

Bloqueadores Neuromusculares: Sensibilidade e Monitorização

A LEMS induz elevada sensibilidade a relaxantes neuromusculares, sejam despolarizantes ou não despolarizantes, uma vez que a disponibilidade de acetilcolina já se encontra comprometida. Consequentemente, doses usuais de rocurônio ou cisatracúrio podem provocar bloqueio excessivo, prolongando a fraqueza. Em Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton, a succinilcolina também pode trazer riscos, embora menos frequentemente associada a hiperpotassemia do que em outras miopatias, mas há possibilidade de resposta imprevisível, incluindo rigidez. Por isso, a monitorização TOF (Train-of-Four) é imprescindível para titrar a dose de bloqueador durante a cirurgia e permitir a reversão adequada ao término. O anestesiologista inicia com dose menor do relaxante e avalia a profundidade do bloqueio pelos índices de TOF, podendo empregar sugammadex (no caso do rocurônio) para reverter eficazmente sem interferir no nível de acetilcolina, o que evita exacerbar a fraqueza. 

Instabilidade Autonômica e Manutenção Hemodinâmica

A hipotensão arterial pode acompanhar a indução anestésica em pacientes com LEMS, dada a menor liberação de catecolaminas e a disfunção autonômica. Fluidos em bolus suaves e pressões de vasopressores (fenilefrina, noradrenalina) podem ser necessários. Entretanto, em Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton, o anestesiologista utiliza sempre pequenos incrementos de fármacos, pois a resposta do sistema cardiovascular pode ser reduzida ou errática. Arritmias também podem se manifestar, especialmente se houver doença oncológica associada ou uso de determinadas medicações. A monitorização ECG contínua e, em procedimentos maiores, o cateter arterial para pressão batimento a batimento ajudam a corrigir prontamente qualquer flutuação significativa de pressão ou ritmo. Evitar grandes variações de volume e manter analgesia adequada, sem excessos de opioides ou bloqueadores, é a fórmula para preservar a homeostase hemodinâmica. 

Via Aérea e Ventilação

A fraqueza de músculos orofaríngeos e a possibilidade de reflexos faríngeos atenuados exigem cautela ao manipular a via aérea. Em alguns pacientes, a abertura de boca e a deglutição podem ser afetadas, devendo-se considerar se uma indução de sequência rápida seria necessária. Em Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton, se há risco de broncoaspiração ou disfunção bulbar, a via aérea segura (intubação endotraqueal) pode prevalecer, mesmo em intervenções de menor porte. Na ventilação mecânica, volumes correntes de 6 a 8 mL/kg (peso ideal) são usados, com PEEP mínima para manter a oxigenação, sem provocar grandes oscilações intratorácicas. A capnografia avalia se surge hipercapnia ou se a mecânica ventilatória está preservada. Ao final do procedimento, a extubação deve ocorrer somente após reversão adequada do bloqueio neuromuscular e demonstração de força muscular satisfatória, pois a falha respiratória no pós-operatório imediato é um risco real. 

Cuidados Pós-Operatórios e Fisioterapia Respiratória

No pós-operatório, a depressão respiratória por opioides ou a fadiga muscular decorrente do bloqueio residual podem conduzir à retenção de CO₂. Para evitar isso, a avaliação minuciosa dos níveis de dor, a adoção de analgesia multimodal e a monitorização da frequência respiratória e saturação de oxigênio permitem intervir precocemente. Em Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton, a instalação de ventilação não invasiva (VNI) no período imediato ou o prolongamento da ventilação invasiva em casos críticos podem ser a diferença entre um pós-operatório seguro ou complicações respiratórias sérias. A fisioterapia respiratória precoce, com manobras de incentivo inspiratório e técnica de higiene brônquica, auxilia na eliminação de secreções e evita atelectasias. Se existirem dores importantes que inibem a tosse efetiva, reforçar analgesia regional ou sistêmica de modo criterioso, sem comprometer a força remanescente dos músculos ventilatórios. 

Exemplos de Condutas Práticas

Certa vez, atendi um homem de 50 anos, LEMS em estágio moderado, para uma cirurgia abdominal. Após avaliação cardiológica e pulmonar, optamos por indução com etomidato, fentanil fracionado e rocurônio (0,6 mg/kg), tudo monitorado por TOF. Houve hipotensão leve, corrigida com bolus de fenilefrina. Mantivemos anestesia via TIVA (propofol + remifentanil) e analgesia local com cateter peridural em baixas concentrações. No pós-operatório, a reversão do rocurônio foi feita com sugammadex, e mesmo assim notou-se fraqueza respiratória leve; mantivemos VNI intermitente por 12 horas, assegurando trocas gasosas normais. Em outro caso, uma paciente com LEMS leve realizou colecistectomia laparoscópica sob anestesia geral com sevoflurano e rocurônio. A monitorização TOF indicou alta sensibilidade ao relaxante, demandando apenas metade da dose habitual. A extubação correu tranquila, sem necessidade de suporte ventilatório prolongado, e a analgesia com AINEs e paracetamol foi suficiente para controlar a dor. 

Conclusões e Recomendações Finais

A condução de Anestesia e Síndrome de Lambert-Eaton requer entendimento detalhado da fisiopatologia, especialmente a redução da liberação de acetilcolina e a disfunção autonômica. A minúcia ao escolher fármacos (evitando succinilcolina, usando relaxantes não despolarizantes em doses menores), a adoção de monitorização neuromuscular contínua (TOF) e o ajuste rápido de vasopressores para hipotensão constituem pilares de segurança. Ao final do procedimento, a verificação se a força respiratória é suficiente determina se a extubação será imediata ou se o doente precisa de suporte prolongado.O futuro, possivelmente, trará novos agentes anestésicos ultrasseletivos e tecnologias de monitorização neuromuscular mais precisas, permitindo individualizar ainda mais o cuidado do doente com LEMS. Enquanto isso, as bases para reduzir riscos passam pela colaboração com neurologia, avaliação cardiológica e fisioterapia respiratória, integrando toda a equipe multidisciplinar para garantir um desfecho cirúrgico mais seguro e confortável para o paciente.

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