Anestesia e Epilepsia: Manejo Seguro e Personalizado

Introdução à Relação entre Anestesia e Epilepsia

A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada por crises epilépticas recorrentes e espontâneas, resultantes de descargas elétricas anormais no cérebro. Esses episódios variam desde breves ausências até convulsões tônico-clônicas generalizadas, capazes de impactar a consciência e a função motora. A gama de fatores desencadeantes, como privação de sono, estresse e desequilíbrios metabólicos, expõe a complexidade dos cuidados perioperatórios em pacientes que convivem com epilepsia. Nesse contexto, Anestesia e Epilepsia formam um binômio que demanda planejamento meticuloso, para reduzir riscos de crises intraoperatórias e complicações pós-cirúrgicas.Em minha experiência de mais de 20 anos na anestesiologia e também como professor em cursos de medicina e odontologia, notei que a abordagem anestésica requer integração multiprofissional. Cirurgiões, neurofisiologistas, enfermeiros e o próprio paciente devem participar ativamente na elaboração de um plano seguro. Além disso, fatores como o uso crônico de medicações anticonvulsivantes influenciam a farmacocinética de anestésicos, exigindo ajustes de doses e monitorização mais rigorosa no período transoperatório. Vale ressaltar que determinadas drogas anestésicas podem alterar o limiar convulsivo, favorecendo descargas anormais em indivíduos predispostos.Ao longo deste texto, abordaremos desde os mecanismos básicos da epilepsia até os cuidados específicos em cirurgias de maior porte ou em procedimentos odontológicos, enfatizando a importância de uma avaliação pré-anestésica detalhada. Abordaremos também como a escolha de fármacos, técnicas anestésicas e estratégias de monitorização auxiliam na prevenção de crises durante e após a cirurgia. Dessa maneira, pretendemos fornecer um panorama abrangente sobre os desafios e as oportunidades de conduzir Anestesia e Epilepsia de forma personalizada, priorizando o bem-estar e a segurança do paciente. 

Fisiopatologia da Epilepsia e Implicações para o Ato Anestésico

A epilepsia advém de alterações na excitabilidade neuronal, normalmente ligadas a desequilíbrios entre neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, e inibitórios, como o GABA. Essa disfunção pode ser focal, afetando uma área específica do cérebro, ou generalizada, envolvendo extensas redes neurais bilaterais. O resultado são crises de intensidades e durações variadas, às vezes sutis, como as “ausências”, ou mais evidentes, como as convulsões tônico-clônicas. Sob a ótica da anestesia, esses mecanismos fisiopatológicos se tornam relevantes porque alguns anestésicos modulam a atividade GABAérgica, enquanto outros podem agir sobre receptores NMDA, alterando o limiar de disparo neuronal.Quando pensamos em Anestesia e Epilepsia, convém recordar que episódios convulsivos podem ocorrer durante a indução anestésica, a manutenção ou no período pós-operatório. Fatores como hiperventilação, hipocapnia ou desequilíbrios hidroeletrolíticos podem desencadear crises em pacientes suscetíveis. Por outro lado, a ação protetora de certos agentes, como o propofol e o benzodiazepínico, eleva o limiar convulsivo e reduz a probabilidade de descargas anormais. No entanto, deve-se tomar cuidado para não superestimar tais efeitos protetores, pois o uso simultâneo de outras substâncias pode modificar o perfil de segurança.Além disso, algumas formas de epilepsia coexistem com outras doenças, como malformações vasculares ou tumores intracranianos. Nesses casos, a abordagem anestésica requer considerações adicionais em relação à pressão intracraniana e à estabilidade hemodinâmica. Em minha prática, observo que compreender a fisiopatologia subjacente de cada tipo de crise epiléptica possibilita uma escolha mais assertiva de drogas anestésicas, ajustando a profundidade e assegurando um procedimento cirúrgico livre de intercorrências maiores. 

Avaliação Pré-Anestésica em Pacientes com Epilepsia

A avaliação pré-anestésica desempenha papel crucial para mapear riscos e personalizar o manejo de Anestesia e Epilepsia. Num primeiro momento, investiga-se o histórico do paciente: quantas crises ocorrem ao mês, se elas são focais ou generalizadas, quais situações costumam desencadear os eventos, e se há controle adequado por meio de anticonvulsivantes. Em paralelo, é essencial detalhar o uso de fármacos, pois a politerapia (associação de várias drogas antiepilépticas) interfere na metabolização de anestésicos, aumentando ou reduzindo sua meia-vida de forma significativa.Além disso, a anamnese detalhada verifica comorbidades como hipertensão arterial, diabetes ou disfunções renais, que podem coexistir em pacientes com epilepsia de longa data. Exames complementares, como eletroencefalograma (EEG) recente, ajudam a delimitar padrões de atividade epiléptica, embora muitas crises se manifestem de forma esporádica e não surjam em exames de rotina. Em casos específicos, a ressonância magnética do crânio pode esclarecer a existência de lesões estruturais subjacentes. A partir desses dados, o anestesiologista avalia se há necessidade de manter, suspender ou ajustar doses de anticonvulsivantes no perioperatório, sempre em alinhamento com o neurologista.Do ponto de vista psicológico, a ansiedade pré-operatória e a privação de sono podem disparar crises. Portanto, orientar o paciente sobre o procedimento e fornecer tranquilidade faz parte do cuidado. Em minha experiência, contar com a presença de familiares ou cuidadores durante a admissão pré-cirúrgica assegura melhor aderência às recomendações. Dessa forma, a avaliação pré-anestésica minuciosa permite antecipar potenciais desafios, elaborando um plano de condução anestésica mais seguro e ajustado ao perfil epiléptico individual. 

Interações Farmacológicas: Drogas Antiepilépticas e Anestésicos

Os anticonvulsivantes modernos, como a lamotrigina, a levetiracetam e o topiramato, apresentam perfis variados de metabolização hepática. Já fármacos tradicionais, a exemplo da fenitoína e do fenobarbital, possuem ampla ação indutora enzimática, acelerando o metabolismo de anestésicos e analgésicos. Desse modo, a escolha e a dosagem de drogas anestésicas precisam considerar essas induções ou inibições enzimáticas. Por exemplo, indivíduos em uso crônico de fenitoína podem demandar doses mais altas de certos sedativos venosos, já que o clearance metabólico se encontra aumentado. Contudo, em casos extremos, o uso concomitante de diversos anticonvulsivantes pode somar efeitos sedativos, originando uma necessidade menor de anestésicos gerais.No contexto de Anestesia e Epilepsia, há também o inverso: alguns anestésicos podem baixar o limiar convulsivo ou até predispor ao surgimento de atividade epileptiforme no EEG. O sevoflurano, por exemplo, em concentrações elevadas, pode gerar descargas semelhantes às epilépticas, embora o risco clínico seja baixo na maior parte das vezes. O propofol, em contrapartida, costuma proteger contra crises, exceto em alguns casos de administração rápida, quando movimentos mioclônicos podem ser confundidos com convulsões. O etomidato, por sua vez, também pode produzir mioclonias.Além disso, é fundamental considerar a analgesia. Opioides potentes em doses altas podem deprimir o sistema respiratório, acumulando dióxido de carbono (hipercapnia) e reduzindo o pH, facilitando descargas neuronais anormais. Assim, o anestesiologista equilibra a necessidade de analgesia com cuidados para evitar hipertermia, hiperventilação ou hipoventilação, fatores que modulam a excitabilidade cerebral. Em suma, entender a dinâmica desses fármacos e suas interações assegura uma condução mais segura da anestesia em pacientes epilépticos. 

Técnicas Anestésicas: Da Anestesia Geral aos Bloqueios Regionais

Quando falamos em Anestesia e Epilepsia, a seleção de técnicas anestésicas abrange desde a anestesia geral, utilizada em cirurgias de grande porte ou nas quais é imprescindível imobilidade absoluta, até procedimentos menores que demandam apenas bloqueios regionais ou sedação leve. A anestesia geral oferece maior controle das vias aéreas e dos parâmetros hemodinâmicos, mas requer vigilância estreita em relação à dosagem de fármacos, uma vez que o efeito de indutores e analgésicos pode ser atenuado ou potencializado pelos anticonvulsivantes. O monitoramento de variáveis cerebrais, como o BIS (Índice Biespectral), auxilia na titulação exata da dose anestésica, evitando tanto a superficialidade do plano anestésico quanto a profundidade excessiva que eleva o risco de hipotensão.Por outro lado, técnicas regionais, como raquianestesia ou bloqueios de plexo, podem minimizar a quantidade de medicamentos sistêmicos, reduzindo possíveis interações. Contudo, convém avaliar se o paciente consegue permanecer imóvel para a punção, principalmente em casos de crises parciais ou tremores posturais. Em algumas intervenções ortopédicas ou vasculares de membros inferiores, a raquianestesia apresenta vantagens analgésicas duradouras, mas o anestesiologista precisa monitorar cuidadosamente a pressão arterial para não desencadear hipoperfusão cerebral.Nos procedimentos odontológicos, a anestesia local combinada à sedação leve costuma ser suficiente, contanto que o paciente esteja com a epilepsia razoavelmente controlada e não apresente episódios frequentes. Em minha prática, vejo que a individualização do método — considerando a gravidade e o tipo de crises, além do perfil farmacológico do paciente — leva a resultados mais satisfatórios, com menor risco de convulsões no transoperatório ou no pós-operatório imediato. 

Abordagem Odontológica e Interdisciplinaridade

A higienização bucal pode ser dificultada em pacientes com crises epilépticas recorrentes, seja pela incoordenação motora, seja pelo receio de uma crise súbita durante os cuidados pessoais. Como consequência, quadros de cáries avançadas, gengivites e periodontites são relativamente comuns. Em situações que demandam intervenções cirúrgicas ou endodônticas extensas, a condução anestésica para pacientes com epilepsia em ambiente odontológico requer sinergia entre o cirurgião-dentista, o anestesiologista e o neurologista assistente.O uso de sedação monitorada, associada à anestesia local, geralmente atende a maior parte das necessidades em consultório, desde que exista infraestrutura de monitoramento básico e medicamentos de emergência para conter crises. Em procedimentos mais complexos, como cirurgias bucomaxilofaciais que demandam maior manipulação, a anestesia geral pode ser necessária. O posicionamento correto, a prevenção de aspiração e a existência de protocolo para manejo de crises epilépticas complementam essa abordagem. Na docência, costumo enfatizar que manter o paciente confortável e minimizar estímulos estressantes contribui para reduzir a chance de descargas elétricas anormais.A construção de uma relação de confiança entre profissional e paciente ajuda a aliviar tensões. Em minha vivência, percebo que explicar os passos do procedimento, inclusive a possibilidade de sedação leve, motiva o indivíduo a cooperar. Caso ocorra uma crise no consultório, protocolos de segurança, como afastar objetos que possam causar trauma e oferecer suporte de oxigênio, devem ser imediatamente acionados. Dessa maneira, a aliança interdisciplinar assegura maior qualidade no atendimento odontológico e anestésico de quem convive com epilepsia. 

Manejo Intraoperatório: Monitorização e Prevenção de Crises

No intraoperatório, a meta principal ao conduzir Anestesia e Epilepsia é impedir fatores desencadeantes de crises, como variações bruscas de glicemia, hiperventilação ou hipoventilação, hipotensão prolongada, luzes intermitentes ou reflexos fotoestimulantes. O anestesiologista deve manter atenção constante às condições metabólicas do paciente, checando níveis de eletrólitos (sódio, potássio, magnésio, cálcio) e gases sanguíneos. Aliás, a correção imediata de anomalias como hiponatremia ou hipoglicemia afasta riscos de convulsões durante a cirurgia.A ventilação controlada, com monitorização de capnografia, evita a hipocapnia extrema, que pode diminuir a perfusão cerebral e propiciar descargas anormais. Por outro lado, é essencial impedir a retenção de dióxido de carbono (hipercapnia), pois a acidose resultante também agrava a excitabilidade neuronal. Vale lembrar que, embora alguns anestésicos possuam efeito anticonvulsivante, uma indução muito rápida ou inadequada pode rebaixar de forma abrupta o limiar convulsivo.O emprego de relaxantes musculares não despolarizantes com farmacocinética previsível, como cisatracúrio, ajuda no controle do movimento sem interferir demasiado no quadro epiléptico. Opioides de curta ação, como o remifentanil, permitem ajustes finos da analgesia, evitando acúmulo que leve a depressão respiratória. Durante todo o processo, a comunicação entre equipe cirúrgica e anestesiologista é essencial para relatar possíveis alterações motoras ou eletrofisiológicas que indiquem o início de uma crise parcial. Ter à disposição benzodiazepínicos endovenosos ou até fármacos anticonvulsivantes de resgate (por exemplo, fenitoína, levetiracetam) garante a segurança caso surjam descargas anormais. 

Exemplos Práticos e Experiência Clínica

Ilustrando a complexidade do tema, recordo um paciente jovem com epilepsia refratária, em uso de três anticonvulsivantes. Ele necessitou de cirurgia ortopédica de médio porte. Durante a avaliação pré-anestésica, identificamos episódios de crise focal secundariamente generalizada, desencadeados por estresse e privação de sono. Programamos uma indução venosa com propofol e uma manutenção com sevoflurano em baixas concentrações, associando analgesia multimodal para diminuir o consumo de opioides. O paciente manteve-se estável ao longo de todo o intraoperatório, sem manifestações epilépticas, e pôde retomar seus anticonvulsivantes via oral poucas horas depois, com alta hospitalar no dia seguinte.Em outro caso, atendi uma pessoa de idade avançada, portadora de epilepsia controlada e doença renal crônica. O procedimento previsto era uma intervenção odontológica extensa, demandando anestesia geral para a devida sedação e imobilização. Ajustamos cuidadosamente os fluidos, vigiamos a pressão arterial e selecionamos fármacos de curta ação, a fim de prevenir acúmulo e depressão respiratória. Apesar de um período prolongado em decúbito supino, o paciente não apresentou crises ou instabilidade hemodinâmica, confirmando a importância de um planejamento integrado, inclusive com o dentista e o nefrologista.Esses exemplos reforçam que a abordagem personalizada de Anestesia e Epilepsia incrementa a segurança, evitando eventos indesejados durante a cirurgia e o pós-operatório. Protocolos de manuseio, suporte de emergência e diálogo contínuo com especialistas são elementos essenciais para alcançar bons resultados. 

Pós-Operatório e Continuidade do Cuidado

Encerrado o procedimento anestésico, a atenção se volta ao pós-operatório, período em que oscilações de consciência, dor, estresse e distúrbios metabólicos podem deflagrar crises epilépticas. Nesta fase, o controle efetivo da dor minimiza a resposta simpática excessiva, enquanto o suporte de enfermagem garante a administração correta dos anticonvulsivantes nos horários habituais. Em alguns casos, é viável realizar o esquema de medicação antiepiléptica por via endovenosa, se persistir o jejum prolongado ou ocorrerem dificuldades de deglutição.A observação para sinais de delirium, sobretudo em idosos com politerapia, constitui tarefa indispensável. Indivíduos suscetíveis podem manifestar confusão mental, agitação ou inquietação, confundidos com atividade convulsiva. Por isso, escalas de avaliação neurológica e, em casos específicos, EEG de urgência auxiliam na distinção entre crises epilépticas subclínicas e alterações psiquiátricas. A colaboração de um neurologista nesse período pode aprimorar a definição do tratamento, seja intensificando medicações antiepilépticas ou reintroduzindo o esquema prévio após breve suspensão.Além disso, a reabilitação precoce, seja fisioterapêutica ou odontológica, evita complicações como tromboses, infecções respiratórias e retrações musculares. Em minha vivência, percebi que o suporte familiar é determinante para a adesão ao plano de cuidados: manter um ambiente tranquilo e uma rotina semelhante à do paciente antes do procedimento ameniza inquietações. Assim, a continuidade do cuidado assegura que a união entre Anestesia e Epilepsia não se restrinja ao intraoperatório, mas se estenda ao período de recuperação, proporcionando melhores desfechos clínicos e qualidade de vida. 

Fechamento e Perspectivas Futuras

A interface entre Anestesia e Epilepsia desperta cada vez mais interesse, fruto de avanços nas pesquisas farmacológicas e da crescente demanda de cirurgias em pacientes com crises epilépticas controladas ou refratárias. O sucesso no cuidado perioperatório nasce de uma avaliação pré-anestésica detalhada, repleta de aspectos multidisciplinares que envolvem neurologia, cardiologia, nefrologia e até odontologia. O domínio dos efeitos das drogas anticonvulsivantes sobre os anestésicos — e vice-versa —, aliás, compõe o cerne de uma condução anestésica livre de sustos.Nos próximos anos, espera-se que técnicas menos invasivas e novos fármacos promovam ainda mais segurança para indivíduos epilépticos, reduzindo a probabilidade de crises. A monitorização contínua de atividade cerebral no intraoperatório, por meio de EEG e outros métodos, pode se tornar rotina em hospitais de alta complexidade, permitindo ajustes imediatos da anestesia. Além disso, é provável que protocolos de sedação consciente ou anestesia regional evoluam em direção a uma recuperação mais rápida, reduzindo períodos de internação.

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