Anestesia e Doença Coronariana: Fatores Críticos e Manejo Seguro

Introdução à Relação entre Anestesia e Doença Coronariana

A doença coronariana, caracterizada pelo acúmulo de placas ateroscleróticas nas artérias coronárias, reduz o fluxo sanguíneo para o miocárdio e eleva o risco de eventos isquêmicos. Pacientes com esse quadro podem apresentar desde angina estável até quadros agudos de infarto, e muitos evoluem com disfunção ventricular e arritmias. No âmbito cirúrgico, a combinação entre Anestesia e Doença Coronariana exige planejamento cuidadoso para evitar episódios de isquemia miocárdica, sobretudo em procedimentos de maior porte ou que demandem manipulação significativa de volemia e da hemodinâmica.Em minha vivência como anestesiologista e professor, percebo que o sucesso na condução anestésica depende de conhecer o grau de comprometimento coronariano — por exemplo, se o paciente já sofreu infarto recente, quantos vasos estão acometidos e se há um stent em vigência. A estabilidade clínica, o estado funcional e o controle de fatores de risco (hipertensão, diabetes, dislipidemia) são parâmetros que influenciam o risco perioperatório. Em paralelo, o uso de antiagregantes plaquetários e betabloqueadores impacta diretamente a estratégia anestésica, pois pode alterar a resposta do organismo a drogas vasopressoras e analgésicas.Ao longo deste texto, discutiremos desde a fisiopatologia que conduz à isquemia miocárdica até as práticas recomendadas no intra e pós-operatório, incluindo monitorização invasiva, controle rigoroso de pressão arterial e possíveis indicações de analgesia regional. Também abordaremos cuidados específicos em intervenções odontológicas, que, embora menores, podem desestabilizar o paciente com doença coronariana. Assim, pretende-se fornecer diretrizes atuais para integrar Anestesia e Doença Coronariana com menor risco de complicações isquêmicas. 

Fisiopatologia da Doença Coronariana e Risco Isquêmico

A doença coronariana surge, em grande parte, do processo aterosclerótico que obstrui as artérias responsáveis por irrigar o miocárdio. A placa ateromatosa consiste em lipídeos, células inflamatórias e tecido fibroso, cuja rotura ou crescimento gradativo reduz a luz vascular. Em momentos de maior demanda metabólica — como o estresse cirúrgico —, o fluxo coronariano pode não acompanhar a necessidade de oxigênio, culminando em isquemia miocárdica. Essa escassez de O₂, além de gerar dor (angina), acarreta perda de função contrátil e, se intensa, necrose celular (infarto).No intraoperatório, fatores como taquicardia, hipotensão, hipertensão e anemia tornam-se gatilhos de desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio. A taquicardia encurta a diástole, período no qual as coronárias se perfundem. A hipotensão reduz a pressão de perfusão coronariana, ao passo que a hipertensão eleva o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Adicionalmente, a presença de placas instáveis pode suscitar tromboses agudas em regiões endoteliais lesadas. Por isso, Anestesia e Doença Coronariana formam um contexto em que o anestesiologista deve manter vigilância contínua de variáveis hemodinâmicas, evitando flutuações extremas.Em pacientes com maior risco, como aqueles que já sofreram infarto recente (menos de seis meses) ou com fração de ejeção reduzida, a atenção dobra. O estresse cirúrgico libera catecolaminas e citocinas que intensificam o trabalho miocárdico. Nesse cenário, a conduta anestésica orienta-se por princípios que busquem reduzir tanto as demandas do coração (diminuindo FC e PA) quanto garantir fluxo coronariano adequado. Assim, compreender a dinâmica fisiopatológica da doença coronariana ampara decisões que minimizam a chance de eventos isquêmicos e complicações agudas. 

Avaliação Pré-Anestésica e Otimização Cardíaca

Durante a consulta pré-anestésica, o anestesiologista investiga cuidadosamente o histórico cardíaco, questionando se o paciente apresenta angina estável ou instável, se há registros de infarto prévio e se realizou revascularização miocárdica ou implantação de stents. A classificação do risco cirúrgico fundamenta-se em escalas como o Revised Cardiac Risk Index (RCRI) e envolve também estimar a capacidade funcional (METs). Aqueles que conseguem atingir níveis de esforço equivalentes a 4 METs (subir lances de escada ou caminhar em aclives) costumam tolerar melhor variações hemodinâmicas.Exames complementares — como eletrocardiograma recente, ecocardiograma e teste ergométrico ou cintilografia de perfusão miocárdica — fornecem informações adicionais sobre isquemia latente e reserva coronariana. Quando a doença se manifesta de modo crítico, e a cirurgia é eletiva, postergar o procedimento até que haja melhor estabilização ou eventual intervenção cardíaca (angioplastia, bypass) é decisão prudente. Em situações emergenciais, todavia, a estratificação de risco torna-se limitada, e a condução anestésica deve focar na proteção miocárdica intensiva.Além disso, avaliar o uso de antiagregantes (AAS, clopidogrel) e anticoagulantes faz parte do processo, pois o risco de sangramento versus trombose de stent deve ser equilibrado. Betabloqueadores, se já integrados ao regime terapêutico, mantêm-se até o dia da cirurgia, evitando efeito rebote. Por fim, o manejo de dislipidemias, tabagismo e hipertensão arterial complementa a otimização, sendo que a adoção de medidas como cessar o tabagismo semanas antes do procedimento reduzem complicações respiratórias e cardiovasculares. 

Interações Farmacológicas e Manejo de Antiagregantes

Em pacientes coronariopatas, é frequente o uso crônico de antiagregantes plaquetários (AAS e inibidores P2Y12, como clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor) para prevenir tromboses arteriais. A decisão de manter ou suspender esses agentes no perioperatório depende da gravidade da doença coronariana, do tipo de stent colocado e do risco de sangramento do procedimento. Nas cirurgias de baixo risco de sangramento, recomenda-se prosseguir com o AAS, minimizando a chance de trombose de stent. Já em cirurgias de maior sangramento, avalia-se interromper temporariamente o clopidogrel ou associar hemoderivados e técnicas hemostáticas locais.No tocante à Anestesia e Doença Coronariana, o anestesiologista pondera como essa antiagregação interfere em bloqueios neuraxiais ou periféricos, pois a formação de hematomas pode ser grave. Quando se mantém a dupla antiagregação, a punção de neuroeixo torna-se bastante arriscada, exigindo avaliação minuciosa. Além disso, a analgesia regional, se realizada, deve ser guiada por protocolos rigorosos que indiquem o intervalo seguro para punção após a última dose de antiagregante.Outras medicações como betabloqueadores e inibidores de ECA são relevantes ao controle da pressão arterial e da frequência cardíaca. No entanto, se um betabloqueador for iniciado muito próximo à cirurgia, sem tempo de titulação, pode aumentar o risco de hipotensão e AVC. Por isso, as diretrizes sugerem iniciar ou otimizar betabloqueadores com no mínimo algumas semanas de antecedência, em pacientes com indicação cardiológica bem estabelecida. Dessa maneira, o conhecimento das interações farmacológicas e a coordenação com o cardiologista permitem escolher e adequar medicações de forma a proteger o miocárdio e ao mesmo tempo conter o sangramento no perioperatório. 

Opções de Técnica Anestésica: Geral, Regional ou Sedação

Na conjuntura de Anestesia e Doença Coronariana, a determinação da técnica anestésica envolve equilibrar a estabilidade hemodinâmica e o risco isquêmico. Em procedimentos de grande porte (abdominais, torácicos ou vasculares), a anestesia geral costuma ser preferível, pois fornece controle total das vias aéreas, facilitação de intervenções hemodinâmicas e possibilidade de monitorização invasiva mais robusta. O anestesiologista pode recorrer a agentes de indução com menor impacto cardiovascular, como etomidato, e optar por anestésicos voláteis suaves (sevoflurano ou isoflurano em baixas concentrações) ou TIVA (propofol) para manter a perfusão miocárdica.Nas cirurgias de extremidades, bloqueios regionais podem ser benéficos, visto que reduzem a exposição de anestésicos sistêmicos e promovem analgesia prolongada. Contudo, a vasodilatação simpática induzida pode cair negativamente na pressão arterial, exigindo monitorização invasiva e uso de vasopressores de curta ação. Deve-se, porém, redobrar a vigilância em pacientes em uso de antiagregantes, pois o risco de hematoma neuraxial ou no plano do nervo não pode ser subestimado.Se a intervenção for superficial ou odontológica, a sedação leve ou moderada, associada a anestesia local, pode oferecer conforto, desde que a analgesia seja efetiva. Nesse caso, evita-se a depressão miocárdica ou a instabilidade relacionada à anestesia geral. Entretanto, o anestesiologista necessita acompanhar parâmetros como eletrocardiograma, oximetria e pressão arterial para intervir rapidamente em caso de dor, taquicardia ou arritmias. Assim, a decisão técnica baseia-se em ponderar o risco isquêmico, a complexidade cirúrgica e a reserva funcional miocárdica do paciente. 

Abordagem Odontológica em Coronariopatas

No ambiente odontológico, o paciente com doença coronariana pode enfrentar grande ansiedade, desencadeadora de taquicardia e elevação da demanda de oxigênio. Para controlar esse aspecto, a sedação consciente (com benzodiazepínicos em dose leve ou uso cuidadoso de óxido nitroso) reduz o estresse e possibilita um procedimento menos tumultuado. Em Anestesia e Doença Coronariana para intervenções bucais, o cirurgião-dentista e o anestesiologista devem aferir pressão arterial e frequência cardíaca de modo frequente, mantendo uma linha de comunicação aberta para reajustar sedativos ou interromper o ato em caso de dor excessiva.A escolha de anestésicos locais com vasoconstritores, como a adrenalina, requer moderação: doses elevadas podem precipitar arritmias ou crises hipertensivas, sobretudo em indivíduos com angina instável. Dessa forma, soluções anestésicas com menores concentrações de adrenalina (1:200.000) e aplicação fracionada são preferíveis, sempre aspirando antes de injetar. Em cirurgias de maior extensão, com risco de sangramento, planejar o uso de antifibrinolíticos locais (como ácido tranexâmico) e compressão adequada ajudam a estancar focos de hemorragia.Ao final do procedimento, observar o paciente na cadeira por um período extra, monitorando sinais vitais e garantindo que se recupere da sedação antes de se levantar. Caso seja necessário prescrever analgésicos, evita-se anti-inflamatórios não esteroides que possam interagir com anticoagulantes ou agravar a função renal. Assim, a abordagem odontológica minuciosa e a manipulação cuidadosa da ansiedade e da dor asseguram uma experiência mais segura para o coronariopata. 

Manejo Intraoperatório: Otimização Hemodinâmica

Durante a cirurgia, controlar a frequência cardíaca, a pressão arterial e o débito cardíaco previne crises de isquemia miocárdica. A monitorização invasiva, com cateter arterial e, em casos complexos, cateter venoso central, permite avaliar a pressão de enchimento e a contratilidade indireta. Sempre que surgem oscilações hemodinâmicas, a intervenção deve ser rápida: caso haja hipotensão, a administração de fluidos (com cautela para não sobrecarregar o coração) e vasopressores suaves (como fenilefrina ou noradrenalina em baixas doses) podem corrigir a perfusão coronariana. Ao mesmo tempo, a taquicardia deve ser evitada, recorrendo a betabloqueadores intravenosos de curta ação (p.ex. esmolol) quando necessários.Em cirurgias prolongadas, manter a normotermia e controlar a dor são fundamentais para não descompensar o sistema cardiovascular. A dor, além de provocar respostas adrenérgicas, tende a aumentar a pós-carga e a demanda de oxigênio. Assim, analgesia multimodal associando opioides leves, agentes anti-inflamatórios (quando não contraindicados) e bloqueios regionais ou locais oferece conforto e estabilidade. Nos casos em que a perda sanguínea é previsível, a reposição com concentrado de hemácias deve seguir limites cuidadosos, pois a sobrecarga de volume ou elevações súbitas da viscosidade sanguínea podem onerar o miocárdio.Ademais, cuidar da ventilação mecânica para manter normocapnia e saturação de O₂ adequada minimiza vasoconstrição pulmonar e reduz risco de acidose, ambos desfavoráveis ao coração isquêmico. Portanto, o êxito de Anestesia e Doença Coronariana no intraoperatório advém de um equilíbrio contínuo entre oferta e demanda de oxigênio, mediado por controle rigoroso dos parâmetros cardiovasculares. 

Exemplos Clínicos e Práticas Cotidianas

Ilustro com um paciente de 70 anos, com coronariopatia multivascular e fração de ejeção de 40%, que necessitava de colectomia parcial eletiva. Na avaliação pré-anestésica, constava angioplastia com stent há 10 meses e tolerância razoável a esforços (4 METs). Optamos por anestesia geral balanceada, com indução suave (etomidato) e manutenção volátil em baixas concentrações, somada a analgesia endovenosa fracionada. A pressão arterial invasiva viabilizou ajustes imediatos de vasopressores, evitando hipotensão ou picos hipertensivos que implicassem isquemia. No pós-operatório, o paciente evoluiu sem episódios de angina, graças a analgesia epidural torácica de baixas concentrações e monitorização em UTI por 24 horas.Num segundo caso, tratei de um paciente de 60 anos com angina estável, necessitando exodontia múltipla e correção de granulomas. A sedação leve com midazolam e fentanil, associada a anestésico local com adrenalina diluída (1:200.000), foi suficiente para conduzir o ato com segurança. Ocirurgião-dentista realizou as extrações em etapas, pausando para controlar a hemostasia. O paciente manteve pressão arterial estável, sem taquicardia, e relatou mínimo desconforto. Esse exemplo corrobora a importância de fracionar procedimentos e usar técnicas sedativas ajustadas ao perfil coronariano.Assim, a vivência prática comprova que, respeitados os princípios de estabilidade hemodinâmica, analgesia adequada e planejamento, o paciente com doença coronariana pode atravessar intervenções cirúrgicas e odontológicas sem maiores intercorrências isquêmicas ou decompensações cardíacas. 

Cuidados Pós-Operatórios e Monitoração de Isquemia

Concluída a cirurgia, a vigilância no pós-operatório centra-se em detectar precocemente sinais de isquemia miocárdica ou insuficiência cardíaca. Monitorar a frequência cardíaca, a pressão arterial e o eletrocardiograma no período inicial possibilita captar variações anormais, corrigidas com analgesia, vasodilatadores ou betabloqueadores de curta ação. A dor pós-operatória deve ser controlada sem excessos de opioides, pois uma depressão respiratória grave poderia gerar acidose e descompensar a perfusão coronariana.Nos casos de cirurgia de grande porte ou risco isquêmico elevado, um leito de UTI ou unidade semi-intensiva assegura a continuidade do cuidado, incluindo dosagens seriadas de troponina cardíaca e ECG repetidos em intervalos. Se surgirem alterações elétricas ou sintomas de dor retroesternal, a equipe deve conduzir investigação imediata, aferindo creatina quinase-MB (CK-MB) e repetindo o ecocardiograma. As intervenções precoces, como ajuste de antianginosos (nitratos, betabloqueadores) ou até reperfusão coronariana em casos agudos, salvam músculo cardíaco e evitam sequelas duradouras.A fisioterapia precoce, respeitando a estabilidade hemodinâmica, evita complicações pulmonares e tromboembólicas, contribuindo para recuperação mais célere. Se a cirurgia foi ortopédica, por exemplo, exercícios de amplitude e mobilização passiva evitam rigidez articular e ampliam o retorno venoso. A alta hospitalar ocorre quando se confirma a estabilidade do ritmo cardíaco, níveis pressóricos sob controle e analgesia efetiva, sem restrições. Desse modo, o pós-operatório estruturado previne complicações tardias, consolidando o êxito de Anestesia e Doença Coronariana no cuidado integral do paciente. 

Conclusões e Perspectivas Futuras

Ao articular Anestesia e Doença Coronariana, percebemos que a preservação do miocárdio contra isquemia é a meta primordial. A avaliação minuciosa, a escolha de agentes anestésicos menos depressivos e o controle meticuloso das variáveis hemodinâmicas configuram pilares inegociáveis no manejo. Tecnologias de monitorização avançada, como ecocardiografia transesofágica e sistemas de dedução do débito cardíaco, oferecem precisão adicional, enquanto a analgesia regional ou multimodal reduz a carga de opioides e facilita o desfecho pós-operatório.O futuro aponta para métodos ainda mais individualizados, em que biomarcadores preditivos de isquemia e inteligência artificial na titulação de fármacos possam antecipar desequilíbrios e modular a resposta cardiocirculatória. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de stents coronários com menor necessidade de dupla antiagregação prolongada e as melhorias nas técnicas de revascularização miocárdica expandem a segurança cirúrgica dos cardiopatas.

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