Introdução à Distrofia Muscular de Duchenne e Desafios no Ato Anestésico
A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) constitui uma doença genética recessiva ligada ao cromossomo X, marcada por mutações no gene da distrofina. A ausência ou deficiência de distrofina acarreta degeneração progressiva das fibras musculares, ocasionando fraqueza, perda funcional e encurtamento da expectativa de vida. Nesse cenário, Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne requerem uma abordagem direcionada a minimizar complicações cardiorrespiratórias e musculoesqueléticas, pois o paciente com DMD muitas vezes já apresenta cardiomiopatia, comprometimento pulmonar e deformidades ortopédicas (como escoliose). A condução anestésica deve levar em conta essa fragilidade muscular, a sensibilidade alterada a certos relaxantes neuromusculares e o risco aumentado de hipertermia maligna.Muitos dos procedimentos em pacientes com DMD envolvem correções ortopédicas (fixação de coluna, cirurgias de membros), mas também há casos de cirurgias abdominais e torácicas. Em todos, a avaliação pré-operatória e o planejamento cuidadosamente articulado entre anestesiologista, cirurgião, fisioterapeuta e cardiologista são essenciais. Além de considerar a fraqueza muscular, é preciso lembrar que a cardiomiopatia dilatada é comum na DMD, contribuindo para instabilidade hemodinâmica durante o ato anestésico. De forma adicional, a função respiratória limitada intensifica o risco de complicações pulmonares no período pós-operatório.Este texto discorrerá sobre as bases fisiopatológicas relevantes da DMD, a avaliação pré-operatória necessária, a escolha de drogas anestésicas e as estratégias de ventilação. Também abordaremos as modalidades analgésicas e os cuidados no pós-operatório, com menção a intervenções de menor porte, como procedimentos odontológicos que demandam ajustes no plano de anestesia. Assim, espera-se fornecer um panorama detalhado de como conduzir Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne de forma segura e eficaz.Fisiopatologia da DMD e Desafios Perioperatórios
A Distrofia Muscular de Duchenne surge pela ausência ou produção insuficiente de distrofina, proteína essencial para a estabilidade e integridade das fibras musculares. Como resultado, o músculo esquelético passa por ciclos de necrose e regeneração até esgotar sua capacidade regenerativa, resultando em fraqueza progressiva e substituição por tecido adiposo e fibroso. A partir do fim da primeira década de vida, a mobilidade do paciente se vê severamente comprometida, e complicações como deformidades de coluna (escoliose) e contraturas musculares são frequentes.Em Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne, a degeneração muscular traz consequências diretas ao ato anestésico. Primeiramente, a fraqueza respiratória se agrava com a doença, diminuindo a capacidade vital e predispondo à hipoventilação e atelectasias. Em segundo lugar, o envolvimento cardíaco se manifesta como cardiomiopatia dilatada, arritmias e insuficiência cardíaca, limitando a reserva hemodinâmica. Em terceiro lugar, pode haver hipertermia maligna ou reações similares ao usar succinilcolina e anestésicos voláteis tradicionais, ainda que o mecanismo de risco se assemelhe mais à rabdomiólise induzida do que à hipertermia maligna clássica. Nesse contexto, a manipulação anestésica requer protocolos específicos, que incluem evitar agentes desencadeantes e monitorar rigorosamente a função muscular e cardiopulmonar.A desnutrição ou a obesidade podem coexistir, dependendo do manejo nutricional e do estágio da doença. Já as deformidades ósseas e articulares podem complicar o posicionamento cirúrgico, elevando o risco de lesões por pressão. Compreender a fisiopatologia da DMD e suas repercussões cardiorrespiratórias embasa a construção de uma estratégia anestésica com maior probabilidade de sucesso e segurança.Avaliação Pré-Anestésica e Riscos Associados
Na avaliação pré-anestésica, o anestesiologista investiga o histórico de fraqueza muscular, o estágio da doença, se o paciente ainda deambula ou se faz uso de cadeira de rodas, e quais complicações pulmonares ou cardíacas se manifestam. Testes de função pulmonar (capacidade vital forçada, espirometria) e imagem radiológica do tórax ou da coluna podem mostrar se a ventilação está severamente restrita. Em Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne, é crucial identificar a cardiomiopatia associada, avaliando ECG, ecocardiograma e, se necessário, ressonância cardíaca para dimensionar a fraqueza do ventrículo esquerdo ou a presença de arritmias.Caso o doente já utilize suporte ventilatório não invasivo em casa ou apresente curvas espirométricas muito baixas, a probabilidade de ventilação invasiva prolongada no pós-operatório se eleva. Por isso, planejar a disponibilidade de UTI e fisioterapia respiratória intensiva é fundamental. O status nutricional e a possibilidade de refluxo gastroesofágico ou disfagia também devem ser verificados, pois o risco de aspiração aumenta em doentes com fraqueza nos músculos da deglutição.Em termos de exames laboratoriais, checar o nível de creatina quinase (CK) e de transaminases pode servir de indicador de dano muscular e hepático. Entretanto, esses valores costumam estar naturalmente elevados na DMD, devendo-se correlacionar com a evolução clínica. A suspeita ou confirmação de cardiopatia e disfunção respiratória orienta a necessidade de monitorização mais invasiva e ajusta-se a abordagem anestésica para reduzir flutuações hemodinâmicas e agressão aos pulmões durante o procedimento.Interações Farmacológicas e Potencial de Hipertermia Maligna
Um tema recorrente em Distrofia Muscular de Duchenne envolve a possibilidade de hipertermia maligna ou uma reação maligna-like ao se usar succinilcolina e anestésicos inalatórios. Tecnicamente, o mecanismo da DMD difere da hipertermia maligna clássica, mas o risco de rabdomiólise grave, liberação maciça de potássio e instabilidade cardiovascular é real. Em Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne, portanto, recomenda-se veementemente evitar succinilcolina, optando por bloqueadores neuromusculares não despolarizantes com via de metabolização conhecida (rocurônio, vecurônio, cisatracúrio), sempre ajustando doses e monitorando a função neuromuscular.No caso de agentes inalatórios, muitos anestesiologistas preferem usar a anestesia intravenosa total (TIVA) para eliminar qualquer risco de hipertermia maligna-like e facilitar a curva de despertar. Entretanto, se se optar por anestésicos voláteis, o monitoramento contínuo de gases e da função muscular deve ser estrito, para reconhecer rapidamente sinais de rabdomiólise ou elevação de CO₂ não explicada. A analgesia pode recorrer a opioides de ação curta (remifentanil) ou adjuvantes para reduzir doses.O manuseio cuidadoso de fluidos e eletrólitos é relevante, pois a rabdomiólise desencadeada por qualquer fator pode provocar hipercalemia severa e acidose metabólica. Em casos de suspeita de crise maligna-like, o protocolo de hipertermia maligna é acionado (administrar dantrolene sódico), ainda que o quadro da DMD seja distinto no mecanismo. Esse cuidado cauteloso garante resposta imediata se houver colapso circulatório ou sinais de hipertermia muscular.Escolha da Técnica Anestésica: Geral, Regional ou Combinada
Em cirurgias de maior porte (ortopédicas em coluna ou quadril, cirurgias abdominais), a anestesia geral tende a ser necessária para assegurar via aérea protegida e ventilação mecânica em pacientes com baixa reserva respiratória. A indução com etomidato ou propofol, associada a opioides como fentanil ou remifentanil, promove estabilidade hemodinâmica. O uso de relaxantes não despolarizantes de curta ou média duração (atracúrio, cisatracúrio, rocurônio) ajuda na manipulação cirúrgica, mas as doses devem ser titradas pela monitorização de TOF. A succinilcolina, novamente, é contraindicada pelos riscos descritos.A anestesia regional ou bloqueios periféricos podem ser úteis em cirurgias menos invasivas ou de extremidades, reduzindo a necessidade de drogas sistêmicas. Contudo, é preciso cautela, já que a atrofia muscular e as alterações anatômicas dificultam a identificação de referências para punção. Bloqueios neuraxiais (raqui, peridural) podem causar hipotensão significativa se a cardiomiopatia coexistir, sendo fundamental a reposição volêmica lenta e vigilante. Em procedimentos menores, a sedação monitorada associada a anestesia local é possível, desde que se mantenha a permeabilidade da via aérea e analgesia satisfatória, e se o doente não tiver disfunção respiratória avançada.Em Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne, a escolha da técnica final baseia-se na gravidade da doença, na presença de disfunção cardíaca e na extensão da fraqueza respiratória. Sempre que possível, opta-se por métodos que minimizem a depressão ventilatória e a exposição a drogas com risco de exacerbar a rabdomiólise.Abordagem Odontológica em Pacientes com DMD
No campo odontológico, o paciente com Distrofia Muscular de Duchenne pode demandar extrações, cuidados periodontais ou restaurações, muitas vezes ambulatoriais. Contudo, a fraqueza motora e as contraturas podem dificultar a abertura bucal e a manutenção da posição na cadeira por tempo prolongado. Em casos leves, a anestesia local associada a sedação leve (midazolam, propofol em baixas doses) sob monitorização não invasiva costuma ser suficiente, contanto que a reserva respiratória não esteja gravemente comprometida.Quando a doença encontra-se em estágio avançado, a segurança do ato tende a ser maior em ambiente hospitalar, com possibilidade de entubação e ventilação mecânica, caso surjam complicações. Em Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne para procedimentos odontológicos, evita-se succinilcolina e, se preciso de bloqueio neuromuscular, opta-se por não despolarizantes de curta ação. A analgesia local com vasoconstritor (adrenalina) é viável, mas o cirurgião-dentista deve certificar-se de não exceder doses e de realizar aspiração prévia para evitar injeção intravascular.O risco de broncoaspiração aumenta se há disfunção bulbar ou refluxo gastroesofágico, recomendando-se jejum adequado e manobras de proteção das vias aéreas na sedação. Ao fim do procedimento, observa-se o paciente por um período maior, confirmando estabilidade ventilatória e hemodinâmica, pois a fraqueza muscular pode prolongar a depressão respiratória. Caso surja suspeita de hipertermia maligna-like ou rabdomiólise, aciona-se o protocolo emergencial, incluindo dantrolene e suporte intensivo.Ventilação Mecânica e Monitorização Respiratória
A capacidade respiratória nos indivíduos com Distrofia Muscular de Duchenne sofre declínio gradativo, resultando em volumes pulmonares restritivos e risco de hipoventilação. Em cirurgias de médio ou grande porte, a ventilação mecânica invasiva se torna mandatória, adequando parâmetros para manter PaO₂ e PaCO₂ dentro de limites aceitáveis. Recomenda-se ventilação controlada a pressões moderadas, ajustando a PEEP para prevenir atelectasias, mas sem sobrecarregar alveolos ou elevar o risco de barotrauma.Em Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne, o anestesiologista vigia cuidadosamente a capnografia (ETCO₂) e a saturação de oxigênio, corrigindo hipóxia ou hipercapnia. Se o doente exibe significativa fraqueza, a extubação pode ser retardada, optando por permanência na UTI sob ventilação por um período. Alguns requerem traqueostomia para suporte prolongado se a insuficiência respiratória for crônica.A monitorização respiratória inclui, sempre que possível, medidas de complacência dinâmica e platô para verificar se as pressões alveolares permanecem seguras. No pós-operatório, a fisioterapia respiratória intensiva é essencial, auxiliando na remoção de secreções e na mobilização do tórax, reduzindo a probabilidade de atelectasias e pneumonia. Esse suporte ventilatório e a monitorização voltada para manter trocas gasosas adequadas são cruciais em pacientes com DMD avançada.Exemplos de Casos Práticos
Certa vez, atendi um adolescente de 15 anos, com DMD, para correção cirúrgica de escoliose toracolombar. Ele apresentava capacidade vital muito reduzida e ecocardiograma mostrando fração de ejeção borderline. Optamos por anestesia geral com indução de etomidato e fentanil, evitando succinilcolina. A manutenção foi via anestesia inalatória de baixas concentrações, associando remifentanil para analgesia. Monitorizamos a pressão arterial invasiva e a linha de capnografia. A cirurgia durou 4 horas, com cuidado na reposição de fluidos e correção hemodinâmica quando necessário. Ao final, mantivemos o doente entubado e encaminhamos à UTI, onde foi extubado 24 horas depois, sem complicações respiratórias severas.Noutro cenário, vi um paciente de 20 anos com DMD em fase avançada, restrito à cadeira de rodas, que precisava de laparoscopia diagnóstica. Devido ao risco de rabdomiólise com anestésicos inalatórios, optamos por TIVA: propofol e remifentanil, associando rocurônio em baixas doses, revertido com sugammadex ao término. O cuidado com a hipotermia foi intensivo, pois se temia reações adversas musculares. A cirurgia transcorreu com estabilidade, e o paciente, embora fraco, apresentou ventilação espontânea suficiente no pós-operatório, sem necessidade de reintubação.Cuidados Pós-Operatórios e Recuperação
No pós-operatório, o paciente com Distrofia Muscular de Duchenne deve ser acompanhado em sala de recuperação com suporte de oxigênio e monitorização cuidadosa de parâmetros vitais, pois a fadiga muscular pode agravar-se subitamente, levando à hipoventilação. O controle da dor recorre a analgesia multimodal — opioides orais ou parenterais, associando AINEs (quando não contraindicado) e, se conveniente, analgesia regional em baixas concentrações. A fisioterapia respiratória inicia de forma precoce, com exercícios de expiração forçada e uso de incentivadores respiratórios para evitar atelectasias.Se o paciente encontrava-se em ventilação não invasiva domiciliar, a readaptação imediata após extubação no pós-operatório pode ser imprescindível para assegurar a adequada oxigenação. Em Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne, a hipotonia muscular persistente e a depressão residual de opioides ou sedativos podem dificultar a tosse e a eliminação de secreções, predispondo à pneumonia. Assim, qualquer sinal de falência respiratória incipiente (taquipneia, queda de SpO₂, uso de musculatura acessória) justifica retorno à assistência ventilatória.No aspecto cardiovascular, verifica-se possibilidade de cardiomiopatia ou arritmias, com ECG seriado e níveis de enzimas cardíacas se houver suspeita de lesão miocárdica. A mobilização precoce e a prevenção de tromboembolismo (com meias compressivas ou heparinas de baixo peso molecular) complementam o cuidado. Quando a dor está controlada, a respiração estabilizada e a função hemodinâmica preservada, a alta hospitalar se torna viável, mantendo-se o acompanhamento com fisioterapia e neurologia.Conclusões e Perspectivas Finais
Em Anestesia e Distrofia Muscular de Duchenne, o anestesiologista depara-se com a tarefa de conduzir um ato seguro em face de fragilidade respiratória, cardiomiopatia, risco de hipertermia maligna-like e susceptibilidade a reações atípicas de bloqueadores neuromusculares. A minuciosa avaliação pré-operatória, aliada à seleção criteriosa de agentes anestésicos (evitando succinilcolina) e à monitorização intensiva, assegura maior proteção contra complicações graves. O suporte ventilatório personalizado, a analgesia balanceada e a assistência fisioterápica no pós-operatório contribuem para melhor recuperação e redução de morbidade.Com o avanço em técnicas de ultrassom para bloqueios regionais, a adoção de TIVA (Total Intravenous Anesthesia) e fármacos de curta duração, a condução anestésica tende a ficar mais precisa, reduzindo a instabilidade no paciente com DMD. Além disso, ensaios clínicos futuros podem revelar protocolos anestésicos mais consolidados, minimizando a incidência de complicações respiratórias e cardiológicas. Apesar disso, o fator humano — o julgamento clínico e a experiência do anestesiologista — permanece essencial, pois cada caso de DMD ostenta particularidades no grau de fraqueza e no comprometimento de órgãos.Avaliação pré-anestésica
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