Anestesia e Síndrome de Prader-Willi: Sensibilidade a Drogas e Risco de Apneia

A síndrome de Prader-Willi (SPW) é uma doença genética rara e complexa, causada pela perda da expressão de genes paternos na região 15q11-q13 do cromossomo 15. Seus efeitos são sistêmicos e impactam desde o desenvolvimento neurocognitivo até funções endócrinas, respiratórias e musculares.Para o anestesiologista, a SPW representa um desafio clínico multidimensional, com destaque para a hipotonia muscular generalizada, distúrbios ventilatórios centrais e sensibilidade aumentada a diversos fármacos anestésicos e sedativos. O conhecimento detalhado dessa condição é essencial para garantir a segurança anestésica desses pacientes, especialmente em procedimentos cirúrgicos eletivos. 

1. Características Clínicas Relevantes para a Anestesia

Os pacientes com SPW geralmente apresentam:
  • Hipotonia neonatal persistente, que pode se prolongar por toda a vida.
  • Obesidade grave de início precoce, associada a baixa estatura e distúrbios hormonais.
  • Alterações no controle ventilatório central, incluindo risco elevado de apneia do sono e hipoventilação.
  • Hiperfagia com risco de aspiração, mesmo em jejum.
  • Alterações no tônus autonômico, com episódios de hipotermia, hipotensão e bradicardia.
  • Sensibilidade aumentada a benzodiazepínicos, opioides e anestésicos gerais.
Essas características demandam uma abordagem anestésica individualizada, com atenção especial à monitorização ventilatória e ao ajuste criterioso das doses farmacológicas

2. Sensibilidade a Drogas Anestésicas

2.1 Opioides e Depressão Respiratória

Os pacientes com SPW apresentam reduzida sensibilidade ao CO e hipóxia, o que compromete os mecanismos de alerta respiratório. O uso de opioides, mesmo em doses padrão, pode desencadear:
  • Apneia central ou obstrutiva
  • Hipoventilação prolongada
  • Necessidade de ventilação assistida no pós-operatório
Condutas recomendadas:
  • Evitar ou minimizar o uso de opioides sistêmicos.
  • Utilizar analgesia multimodal, com AINES, paracetamol, infiltração local ou bloqueios regionais.
  • Se opioides forem necessários, iniciar com doses significativamente reduzidas e monitorização contínua (oximetria + capnografia).

2.2 Benzodiazepínicos e Sedação Prolongada

Benzodiazepínicos devem ser usados com extremo cuidado em pacientes com SPW, pois há prolongamento da sedação, prejuízo cognitivo adicional e maior risco de hipoventilação. Alternativas incluem:
  • Dexmedetomidina como sedativo de escolha em procedimentos menores.
  • Preferência por indução inalatória ou intravenosa balanceada, com agentes de meia-vida curta e fácil titulação.

2.3 Agentes Anestésicos Inalatórios

Pacientes com hipotonia grave e alteração do drive ventilatório podem ter recuperação anestésica mais lenta. O uso de agentes como sevoflurano pode ser seguro, mas deve ser feito com controle rigoroso da profundidade anestésica e despertar assistido

3. Risco de Apneia e Monitorização Ventilatória

3.1 Apneia Obstrutiva do Sono (AOS)

A prevalência de AOS na SPW é alta, podendo ser agravada pela macroglossia, obesidade, hipotonia orofaríngea e hipoplasia mandibular. O risco é maior durante o sono, mas também no período de recuperação pós-anestésica.Condutas:
  • Solicitar polissonografia prévia quando possível.
  • Em pacientes com AOS diagnosticada, considerar ventilação não invasiva pós-operatória (CPAP ou BiPAP).
  • Preferir centros cirúrgicos com suporte de UTI e recuperação anestésica monitorada.
  • Avaliar a possibilidade de internação prolongada após procedimentos ambulatoriais.
 

4. Considerações Intraoperatórias

4.1 Indução Anestésica

  • A via aérea pode ser difícil, especialmente em pacientes com obesidade e retrognatia.
  • Avaliação pré-anestésica rigorosa da via aérea é fundamental.
  • Ter à disposição dispositivos alternativos (videolaringoscópio, máscara laríngea, cânula orofaríngea).
  • Utilizar indução titulada com agentes de ação curta.

4.2 Manutenção

  • Preferência por anestesia balanceada, com monitorização de profundidade (BIS ou similar).
  • Cuidados com hipotermia intraoperatória, comum na SPW devido à disfunção autonômica.
  • Monitorar níveis de glicose, dado o risco de hipoglicemia em alguns pacientes.
 

5. Pós-Operatório e Recuperação

  • Pacientes com SPW têm risco aumentado de complicações respiratórias no pós-operatório imediato.
  • Monitorização em sala de recuperação prolongada ou internação em unidade semi-intensiva deve ser considerada.
  • Avaliar a mobilização precoce, mesmo em pacientes pediátricos, para prevenir complicações tromboembólicas.
  • Evitar sedativos em casa no pós-operatório. Sempre orientar a família quanto aos sinais de alerta respiratório.
 

6. Papel da Equipe Multidisciplinar

O cuidado anestésico em SPW deve ser coordenado com:
  • Endocrinologia pediátrica ou do adulto, para ajuste de terapias hormonais prévias.
  • Nutrição, com atenção ao risco de aspiração por hiperfagia.
  • Fisioterapia respiratória, especialmente no pré e pós-operatório.
  • Equipe de enfermagem treinada, para reconhecimento precoce de sinais de descompensação.
 

Conclusão

A anestesia em pacientes com síndrome de Prader-Willi exige preparo detalhado, individualização do plano anestésico e monitorização contínua. A sensibilidade aumentada a sedativos e opioides, associada à alteração do controle ventilatório e ao risco de apneia, impõe cuidados que vão desde a avaliação pré-operatória até a recuperação anestésica tardia. Com uma abordagem criteriosa, o anestesiologista pode proporcionar segurança, conforto e melhor desfecho clínico a esses pacientes, respeitando suas particularidades genéticas, metabólicas e neurofuncionais.

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