Introdução ao Cenário de Anestesia e Sepse
A sepse representa uma resposta inflamatória sistêmica desencadeada por infecções graves, na qual o organismo se vê em luta intensa contra patógenos, mas frequentemente sofre danos colaterais em função do desequilíbrio imune. Trata-se de uma síndrome potencialmente fatal, que afeta múltiplos órgãos pela cascata inflamatória e pela disfunção microcirculatória que compromete a perfusão tecidual. Ao discutirmos Anestesia e Sepse, reconhecemos que o anestesiologista enfrenta inúmeros desafios: pacientes podem estar em choque, com perfusão periférica inadequada, função de órgãos crítica e reatividade cardiovascular imprevisível. Assim, é essencial planejar estratégias anestésicas que protejam a estabilidade hemodinâmica, assegurem adequada oxigenação e controlem a reação inflamatória exacerbada.Na prática, indivíduos sépticos chegam ao centro cirúrgico para drenagem de abscessos, cirurgias de controle de foco infeccioso (como apendicectomias ou colectomias em perfurações abdominais) ou procedimentos de suporte, incluindo traqueostomias. O quadro clínico pode variar desde quadros iniciais de sepse até choques sépticos profundos, em que há hipotensão refratária, acidose lática e disfunção de múltiplos órgãos. Além disso, a resposta inflamatória sistêmica eleva o risco de coagulopatia e instabilidade respiratória. Cada um desses fatores reforça a importância de uma abordagem anestésica específica, embasada na fisiopatologia do choque séptico e na integração com equipes multidisciplinares — cirurgiões, intensivistas e infectologistas.Ao longo deste texto, abordaremos desde a avaliação pré-anestésica emergencial e o planejamento de reposição volêmica e vasopressores até as opções de monitorização avançada e seleção de fármacos. Também discutiremos como conduzir procedimentos de menor porte, incluindo intervenções odontológicas, em pacientes com infecções sistêmicas descompensadas. Em resumo, busca-se um panorama completo que norteie boas práticas de Anestesia e Sepse, visando minimizar o risco de deterioração intraoperatória e maximizar a segurança no contexto de infecções graves.Fisiopatologia da Sepse e Desafios Perioperatórios
Na sepse, o agente infeccioso (bactéria, fungo ou outro patógeno) desencadeia liberação maciça de mediadores inflamatórios — citocinas, quimiocinas e substâncias vasoativas — que transformam a resposta de defesa em um desequilíbrio global. A vasodilatação sistêmica e o aumento da permeabilidade capilar conduzem a hipotensão e extravasamento de fluidos, surgindo o choque séptico quando o débito cardíaco se torna insuficiente para manter a perfusão tecidual. Ainda, microtrombos formam-se na microcirculação, comprometendo a oxigenação celular e podendo evoluir para disfunção orgânica múltipla.Em Anestesia e Sepse, a manutenção de parâmetros como pressão arterial, frequência cardíaca e débito urinário se mostra especialmente frágil. O uso de drogas anestésicas que induzem vasodilatação ou deprimem a contratilidade cardíaca agrava a hipotensão, enquanto a manipulação cirúrgica pode aumentar ainda mais a produção de mediadores inflamatórios. Se há lesões pulmonares associadas (síndrome do desconforto respiratório agudo, SDRA), a ventilação mecânica exige cuidado com pressões de pico e volumes correntes reduzidos para evitar barotrauma. Por outro lado, no estado séptico, a redistribuição sanguínea e o metabolismo alterado podem interferir na depuração de anestésicos, exigindo ajuste contínuo de doses.Além disso, a presença de coagulopatia na sepse (CIVD — coagulação intravascular disseminada) instaura riscos de sangramentos ou microtromboses durante o ato operatório, pedindo monitoramento laboratorial frequente (TP, TTPa, fibrinogênio, plaquetas). Esse panorama fisiopatológico complexo fundamenta a necessidade de intervenções anestésicas personalizadas, levando em conta volemia, função cardíaca e o status inflamatório, a fim de garantir perfusão de órgãos vitais e contenção da lesão inflamatória sistêmica.Avaliação Pré-Anestésica e Otimização Clínica
No paciente séptico, a abordagem pré-anestésica difere de uma rotina eletiva. Muitas vezes, as cirurgias ocorrem em regime de urgência ou emergência, visto que controlar o foco infeccioso (abscesso, peritonite, necrose tecidual) se torna prioridade. O anestesiologista, em cooperação com a equipe de terapia intensiva ou emergencistas, obtém informações rápidas sobre hemodinâmica, parâmetros laboratoriais (lactato, hemograma, coagulograma, níveis de proteína C reativa) e função de órgãos (creatinina, bilirrubinas, troponina se há suspeita de corações fragilizados).A verificação do estado de hidratação e de qualquer uso prévio de vasopressores (noradrenalina, vasopressina) indica o grau de choque séptico. Se o paciente mantém um índice de perfusão inadequado (como diurese < 0,5 mL/kg/h ou lactato persistentemente elevado), a estabilização com reposição de fluidos ou ajuste de aminas deve preceder a indução anestésica, reduzindo a probabilidade de colapso circulatório. Em Anestesia e Sepse, a estratégia de “apagar o foco” cirúrgico caminha junto da ressuscitação volêmica e do controle metabólico para que o doente suporte o estresse do procedimento.Na anamnese, se o tempo permitir, busca-se histórico de alergias e comorbidades — cardiopatias, nefropatias ou diabetes. Entretanto, a limitação temporal pode impedir coletar dados completos. Faz-se, então, a priorização pela estabilização vital: via aérea (A), respiração (B) e circulação (C). O anestesiologista pode prever intubação em sequência rápida se houver risco de aspiração (reduzindo manipulações prolongadas da via aérea). A transferência para sala cirúrgica deve contar com monitorização e esquemas de vasopressores prontos, bem como cartuchos de fármacos emergenciais. Assim, a avaliação pré-anestésica nessa circunstância orienta-se pela diretriz de “salvar vidas acima de tudo, com segurança anestésica ajustada ao estado séptico.”Interações Farmacológicas e Reposição Volêmica
Na sepse, a perda de fluido intravascular pela vasodilatação e permeabilidade capilar elevada demanda reposição de cristaloides ou coloides. Durante a anestesia, esse processo deve prosseguir conforme a resposta hemodinâmica, medindo a pressão arterial invasiva, o débito urinário e, se possível, a variação de pressão de pulso ou ecocardiografia point-of-care. A abordagem “fluido-responsivo” evita tanto a hipovolemia prolongada quanto a hiper-hidratação, que agrava o edema intersticial e prejudica a oxigenação.Agentes anestésicos intravenosos como etomidato e cetamina ganham destaque em Anestesia e Sepse. O etomidato oferece estabilidade cardiovascular, porém pode inibir a síntese de cortisol em uso prolongado, algo controverso no choque séptico. A cetamina, com efeito simpatomimético, mantém ou eleva a pressão arterial, além de oferecer excelente analgesia, embora possa aumentar a frequência cardíaca, exigindo cautela em cardiopatas. Já propofol e inalatórios podem induzir maior hipotensão, mas são ajustáveis segundo as necessidades.No que tange a vasopressores, a noradrenalina desponta como droga de escolha para reverter vasodilatação intensa, enquanto a vasopressina auxilia na perfusão coronariana e renal em estados refratários. O anestesiologista, ao manejar esses fármacos, busca manter pressão arterial média acima de 65 mmHg (ou outro alvo individualizado), resguardando a perfusão de órgãos como rins e cérebro. A analgesia, por sua vez, recorre a opioides potentes (fentanil, sufentanil) fracionados, a fim de não deprimir demais a mecânica respiratória ou a pressão. Em casos de coagulopatia, as transfusões são consideradas com parcimônia, avaliando o perfil tromboelastométrico (ROTEM ou TEG) e a oximetria tissular, se disponível.Seleção da Técnica Anestésica: Geral, Regional ou Combinada
Na maior parte das cirurgias de urgência para tratar sepse — como laparotomias para drenar abscessos, apendicites supurativas ou colecistites sépticas — a anestesia geral com entubação orotraqueal é o padrão. Permite controlar a ventilação e o fornecimento de oxigênio, essenciais quando o quadro séptico compromete a troca gasosa ou se há necessidade de manuseio prolongado de cavidades contaminadas. Além disso, a sedação profunda e a analgesia intensiva reduzem o risco de elevações de pressão intracraniana em caso de sepses complicadas por distúrbios cerebrais.Técnicas regionais, como raquianestesia ou bloqueios periféricos, podem ser uteis em cirurgias menores, porém, no choque séptico, a vasodilatação causada pelo bloqueio simpático pode agravar a hipotensão. Além disso, a plaquetopenia ou coagulopatias surgidas em quadros sépticos dificultam a segurança de punções neuraxiais. Quando a cirurgia é de membro e o paciente exibe estado hemodinamicamente estável, um bloqueio de plexo braquial ou ciático com sedação leve pode ser factível, diminuindo a exposição a altas doses de agentes sistêmicos.Entretanto, em procedimentos odontológicos que demandam intervenção em foco séptico (abscesso dentário extenso) ou em paciente com sepses orais, a sedação monitorada associada a anestesia local costuma bastar, desde que a estabilidade seja mantida e a dor seja controlada. É imprescindível, porém, identificar se o doente possui risco de via aérea difícil, edema orofaríngeo ou trismo por infecção, que inviabilize a sedação superficial e requeira intubação planejada. Desse modo, em Anestesia e Sepse, a escolha do método anestésico baseia-se na urgência do procedimento, no estado hemodinâmico e nas características da fonte infecciosa.Abordagem Odontológica em Pacientes Sépticos
Na sepses de origem odontológica, como abscessos apicais ou periodontais que evoluem para celulites faciais e bacteremia sistêmica, o controle do foco se faz urgente para evitar complicações cervicais e mediastinais. O anestesiologista deve avaliar se há edema severo que ameace a via aérea ou se a abertura de boca está limitada, dificultando manipulações. Casos de abcesso submandibular (Angina de Ludwig) podem exigir intubação com fibroscopia flexível ou cricotireoidostomia de emergência caso o plano se feche e sufoque o doente.Em intervenções menos agressivas, a sedação monitorada e anestesia local com vasoconstritor podem funcionar, desde que o paciente esteja estável, sem evidências de choque séptico. Entretanto, a dor de intensidade alta e a ansiedade potencializam o estresse. Se a sedação for insuficiente para manter conforto, evolui-se para anestesia geral. Profissionais que atuam em Anestesia e Sepse no campo odontológico contam com monitorização básica e prontidão para reconversão rápida a via aérea avançada.O uso de antimicrobianos adequados à flora oral e a correção de fluidos, especialmente se há febre e perda de líquidos por transpiração excessiva, subsidiam um procedimento seguro. Ao concluir o procedimento, recomenda-se acompanhar o paciente por algum tempo em sala de recuperação, verificando se ocorre estabilização da pressão arterial e da frequência cardíaca. Assim, a remoção do foco infeccioso em sépses de origem odontológica requer sinergia entre o dentista, o anestesiologista e, se necessário, o infectologista, de modo a frear a disseminação bacteriana e propiciar melhora clínica.Monitorização Intraoperatória e Suporte Intensivo
Nos procedimentos de grande porte para erradicar a fonte séptica ou tratar complicações da infecção, a monitorização invasiva é primordial. O anestesiologista instala um cateter arterial para controle contínuo da pressão sanguínea e amostras de gasometria seriadas, monitorando acidose ou hipóxia. A oximetria de pulso e a capnografia confirmam a adequação da ventilação e a perfusão periférica, enquanto, em alguns casos críticos, recorre-se ao cateter venoso central para administrar vasopressores e medir a pressão venosa central, orientando a reposição de fluidos.A hipotermia inadvertida deve ser evitada, pois prejudica a coagulação, aumenta o consumo de oxigênio e dificulta a defesa imunológica. Assim, mantas térmicas e fluidos aquecidos ajudam a conservar a temperatura. Em Anestesia e Sepse, a analgesia assume papel crucial para conter o estresse metabólico, mas deve ser titulada cuidadosamente para não agravar a hipotensão. Se a dor for muito intensa, a cetamina se apresenta como excelente opção, associando analgesia potente a preservação do tônus vascular.Durante todo o ato cirúrgico, a comunicação com a equipe responsável pela abordagem do foco séptico é vital. Em laparotomias de grande porte, por exemplo, a drenagem de coleções purulentas e a lavagem da cavidade peritoneal podem provocar variações hemodinâmicas significativas. É possível que sejam necessárias transfusões de hemocomponentes ou trocas do antibiótico conforme a cultura intraoperatória. Essa integração define uma orquestração de fármacos e fluidos para manter perfusão sistêmica e, ao mesmo tempo, controlar a infecção o mais rapidamente possível.Casos Ilustrativos e Vivência Clínica
Certa vez, atendi um paciente de 45 anos, com abdome agudo séptico decorrente de perfuração intestinal por diverticulite, apresentando choque refratário a fluidos e uso de noradrenalina. A anestesia foi geral, com indução de cetamina e rocurônio, aliada a manutenção com propofol em infusão moderada. A pressão arterial invasiva e o controle de diurese auxiliaram na reposição de cristaloides aquecidos e de 2 unidades de concentrado de hemácias, corrigindo a anemia. Embora o risco de hipotensão fosse grande, conseguimos manter uma PAM (pressão arterial média) de cerca de 65-70 mmHg, e a cirurgia correu bem, drenando um abscesso pélvico extenso. No pós-operatório, o paciente permaneceu 3 dias em UTI, recuperando-se favoravelmente.Em outra circunstância, acompanhei uma idosa de 70 anos, com sepse urinária complexa e hipotensão persistente. Precisava de drenagem cirúrgica de um abscesso renal. Optamos por anestesia geral e analgesia com opioides fracionados, dada a instabilidade de pressão arterial. Em uma hora de ato cirúrgico, houve melhora da diurese e estabilização após controle do foco infeccioso. Esse relato reforça a importância de remover rapidamente a fonte de infecção e de ajustar a anestesia a cada variação hemodinâmica.Esses episódios sublinham a elasticidade e a prontidão necessárias em Anestesia e Sepse. Quando o anestesiologista domina a fisiologia do choque séptico e se integra à equipe multidisciplinar, as chances de sobrevivência crescem significativamente, mesmo em casos críticos.Pós-Operatório e Apoio Terapêutico Continuado
Ao final da cirurgia, se o paciente apresenta pressão arterial lábil ou dependência de vasopressores, segue para uma UTI para vigilância intensiva. O controle contínuo da lactatemia e da saturação venosa central (ScvO₂), quando disponível, avalia a resposta à ressuscitação. A analgesia no pós-operatório deve prosseguir de modo multimodal, unindo opioides, anti-inflamatórios (quando não há contraindicações) e, em alguns casos, infusões de lidocaína ou ketamina, que reduzem a sensibilização dolorosa sem deprimir significativamente a hemodinâmica.A prevenção e o tratamento de disfunções orgânicas, como insuficiência renal ou falência respiratória, são manejados pela equipe de terapia intensiva com estratégias de ventilação protetora e reposição de fluidos balanceada. Manter a normotermia e corrigir desequilíbrios metabólicos (acidose, distúrbios eletrolíticos) são medidas que consolidam a melhora do quadro. Se persistir suspeita de foco infeccioso residual, novos exames de imagem podem ser realizados, e a antibioticoterapia é ajustada de acordo com culturas e testes de sensibilidade.Em termos de reabilitação, fisioterapeutas auxiliam na mobilização precoce para evitar complicações tromboembólicas e preservar a massa muscular. O suporte nutricional, preferencialmente enteral, inicia-se logo que possível, para reforçar a imunidade e encurtar o tempo de internação. Assim, Anestesia e Sepse transcendem a sala cirúrgica, exigindo continuidade de cuidados no pós-operatório que assegurem estabilidade hemodinâmica, controle da infecção e recuperação progressiva, seja em UTI ou em enfermaria especializada.Considerações Finais e Perspectivas Futuras
A associação entre Anestesia e Sepse exemplifica um dos contextos mais exigentes da prática anestésica, pois o paciente chega fragilizado, com disfunções múltiplas e necessidade de intervenções urgentes. A ação do anestesiologista, apoiada por monitorização invasiva e estratégias de ressuscitação fluidoterápica, assegura uma condução anestésica que não apenas controla a dor e a resposta ao estresse, mas também preserva a perfusão de órgãos essenciais. A escolha criteriosa de fármacos, a dose e a modalidade anestésica equilibram o risco de hipotensão e a demanda de analgesia, sempre levando em consideração o estado hiperdinâmico ou hipodinâmico do choque séptico.No futuro, prevê-se um aprimoramento nas ferramentas de avaliação hemodinâmica contínua, incluindo inteligência artificial aplicada a dados de débito cardíaco e parâmetros de oximetria tecidual, possibilitando intervenções mais precoces. A evolução de antibióticos e terapias imunomoduladoras específicas para sepse tende a reduzir a incidência de choques refratários. Entretanto, o fator humano, expressado pela experiência do anestesiologista e o entrosamento com equipes de cirurgia e terapia intensiva, permanece insubstituível para o sucesso no atendimento ao paciente séptico.Convido aqueles que buscam se aprofundar na temática a explorar meu Blog, onde compartilho vivências clínicas e literaturas recentes. Para avaliações especializadas e planejamento anestésico em cenários complexos, atendo no consultório na Av. Dr. Arnaldo, 1887 – Sumaré – São Paulo – SP, com marcações via Telefone/WhatsApp: (11) 95340-9590 ou contato@ivanvargas.com.br. Em suma, Anestesia e Sepse exigem sinergia entre conhecimento técnico, raciocínio rápido e capacidade de adaptação, assegurando que a intervenção cirúrgica ocorra de modo seguro, com melhor chance de recuperação e restabelecimento do paciente.Avaliação pré-anestésica
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