Introdução à Distrofia Miotônica e Desafios no Ato Anestésico
A Distrofia Miotônica (DM) representa um grupo de doenças genéticas caracterizadas por miotonia (dificuldade de relaxamento muscular após contração) e fraqueza progressiva. A forma mais comum, conhecida como Distrofia Miotônica tipo 1 (DM1 ou doença de Steinert), é causada por expansão de repetição trinucleotídica no gene DMPK. Já a DM2 (Proximal Myotonic Myopathy) apresenta sintomas mais brandos. O quadro clínico abrange não apenas músculos, mas também sistemas endócrino, cardíaco e nervoso, o que torna Anestesia e Distrofia Miotônica uma combinação delicada. A fraqueza muscular, miotonia e risco de cardiomiopatia ditam a necessidade de uma abordagem anestésica minuciosamente planejada, minimizando crises miotônicas e descompensações sistêmicas.Muitos pacientes com DM mantêm força motora razoável em fases iniciais, mas apresentam miotonia que atrapalha a manipulação cirúrgica, incluindo a intubação, se a musculatura orofaríngea sofrer espasmos. Além disso, a cardiomiopatia dilatada ou arritmias ventriculares podem coexistir, impondo risco de instabilidade hemodinâmica. Outro aspecto envolve a possibilidade de hipersensibilidade a certos anestésicos, afetando a junção neuromuscular e a resposta aos relaxantes. Este texto abordará desde a avaliação pré-operatória do paciente até o controle da miotonia, escolha de fármacos, estratégias de analgesia e a monitorização no período pós-operatório, fornecendo uma perspectiva abrangente para conduzir Anestesia e Distrofia Miotônica de forma segura.Fisiopatologia da Distrofia Miotônica e Repercussões Cirúrgicas
A Distrofia Miotônica se destaca pela presença de miotonia — fenômeno em que o músculo demora a relaxar após contração voluntária ou estímulo elétrico — e fraqueza muscular progressiva. Essa lentificação do relaxamento advém de alterações nos canais iônicos do sarcolema, resultando em repetições anormais de disparos elétricos. Clinicamente, o paciente pode ter dificuldade para soltar a mão após apertar algo (miotonia de preensão), bem como apresentar uma marcha particular ou ainda rigidez facial característica. Além da musculatura esquelética, há envolvimento do miocárdio, do sistema endócrino (hipogonadismo, resistência insulínica) e do SNC.No contexto de Anestesia e Distrofia Miotônica, a miotonia pode ser desencadeada ou piorada por agentes anestésicos, manobras de intubação, manipulação cirúrgica ou mudanças bruscas de temperatura. Assim, o anestesiologista deve controlar cuidadosamente a temperatura do paciente e manter analgesia adequada para reduzir estímulos que possam deflagrar crise miotônica. A fraqueza respiratória, mais frequente em fases avançadas da doença, aumenta a probabilidade de complicações pulmonares e prolonga a necessidade de ventilação assistida no pós-operatório. Além disso, a cardiomiopatia e as arritmias relacionadas (por vezes, bloqueios de condução) requerem atenção, pois hipotensão ou taquicardia podem se revelar mais intensas em face de disfunção autonômica e do miocárdio.Avaliação Pré-Anestésica e Otimização Clínica
A avaliação pré-operatória em pacientes com Distrofia Miotônica deve mapear a gravidade da miotonia, o nível de fraqueza muscular e a existência de comprometimento respiratório ou cardíaco. Um histórico de intolerância a exercícios, cansaço precoce e dificuldade para relaxar após esforços aponta para miotonia significativa. Exames como eletrocardiograma, ecocardiograma ou Holter de 24 horas são cruciais para investigar arritmias ou cardiomiopatia subjacente. Em Anestesia e Distrofia Miotônica, descartar bloqueios de condução avançada ou extrassístoles ventriculares frequentes é fundamental para traçar um plano anestésico seguro.Se houver suspeita de disfunção respiratória, testes de função pulmonar e medições de forças inspiratórias máximas auxiliam a prever se o doente tolerará bem a extubação no pós-operatório imediato. A presença de diabetes ou resistência insulínica, devido à alteração endócrina, exige controle glicêmico e programação do jejum. Além disso, questionar sobre crises miotônicas passadas e quais fatores precipitantes (estresse, frio, fármacos) podem orientar condutas de prevenção. Revisar o uso de medicações que afetam os canais iônicos ou a condução neuromuscular (por exemplo, antiarrítmicos, diuréticos) ajuda a evitar interações inesperadas.No geral, a otimização prévia pede correção de possíveis distúrbios hidroeletrolíticos, preparo cardiológico se indicada cirurgia de médio ou grande porte e conversa franca com o paciente sobre a possibilidade de ventilação prolongada ou internação em UTI, caso surjam complicações respiratórias ou crises miotônicas no intra e pós-operatório.Interações Farmacológicas e Controle da Miotonia
Na Distrofia Miotônica, certos fármacos podem exacerbar a miotonia, como succinilcolina e antagonistas de canais de sódio. Dessa forma, em Anestesia e Distrofia Miotônica, evita-se a succinilcolina, pois a hiperpotassemia grave e o risco de um quadro similar a hipertermia maligna, com rigidez intensa, embora raros, são relatados. Ao escolher relaxantes musculares, os não despolarizantes (rocurônio, cisatracúrio, vecurônio) são preferidos, tendo-se cautela com a dosagem e monitorização do bloqueio neuromuscular via TOF. Pacientes podem apresentar sensibilidade aumentada ou, em alguns casos, resistência parcial, requerendo titulação individualizada.Agentes voláteis como sevoflurano e isoflurano costumam ser seguros, porém há relatos esporádicos de desencadeamento de miotonia ou rabdomiólise. A anestesia intravenosa total (TIVA) com propofol e remifentanil tem ganhado popularidade, pois facilita o controle de profundidade e, em geral, não agrava a miotonia. O controle da dor envolve opioides de curta ação, mas deve-se evitar sedativos que deprimam excessivamente a função respiratória ou provoquem retenção de CO₂, fator capaz de ativar a miotonia. Bloqueadores de canais de cálcio, como diltiazem, podem auxiliar no controle de arritmias e amenizar espasmos, embora seu uso como adjuvante em DM exija monitorização rigorosa de pressão arterial.No quesito prevenção de crises miotônicas, manter o ambiente aquecido e garantir analgesia adequada reduz estímulos dolorosos e frios, ambos potenciais deflagradores de espasmos. Identificar e corrigir possíveis desequilíbrios eletrolíticos (hipocalemia, hipermagnesemia) favorece a estabilidade da membrana muscular.Escolha da Técnica Anestésica: Geral, Regional ou Combinada
Em cirurgias de maior complexidade que envolvem manipulações ortopédicas ou cavitárias, a anestesia geral é frequentemente a opção para pacientes com Distrofia Miotônica. Garante-se via aérea protegida, ventilação mecânica e amplo controle sobre fármacos e gases anestésicos. Entretanto, durante a indução, agentes cuidadosamente selecionados (propofol, etomidato ou midazolam) e opioides em doses titradas minimizam flutuações hemodinâmicas. A manutenção da anestesia pode ocorrer via TIVA ou com inalatórios de baixa concentração, aliada a monitorização contínua do relaxamento neuromuscular.A anestesia regional (por exemplo, bloqueio peridural ou raqui) pode ser adotada em procedimentos de extremidades inferiores ou abdominais baixos, contanto que se esteja atento ao risco de hipotensão decorrente do bloqueio simpático e ao potencial de exacerbação ou confusão diagnóstica entre fraqueza anestésica e fraqueza miotônica. Em Anestesia e Distrofia Miotônica, se o paciente tiver função respiratória comprometida, um bloqueio alto pode demandar maior dependência de ventilação assistida no pós-operatório. Para cirurgias de menor porte, sedação monitorada e analgesia local podem ser suficientes, desde que a dor seja adequadamente suprimida e não haja estímulos intensos que possam induzir crises miotônicas.A definição final da técnica recai sobre o grau de doença, a localização do procedimento e a expectativa de manipulação dolorosa ou prolongada. Em qualquer cenário, o anestesiologista mantém opções de vasopressores, relaxantes não despolarizantes, e monitorização invasiva caso surjam variações hemodinâmicas significativas.Abordagem Odontológica em Pacientes com Distrofia Miotônica
No campo odontológico, procedimentos como extrações, cirurgias periodontais ou implantes podem desencadear dor intensa e gerar tensão muscular nas regiões cervical e facial. Em pacientes com distrofia miotônica, essa tensão, associada ao ambiente frio e ao estímulo de manipulações, pode precipitar crises miotônicas. Assim, se o procedimento for simples, o uso de anestesia local e sedação leve pode bastar, evitando a administração de fármacos com risco de estimular espasmos. É imprescindível manter o consultório aquecido e oferecer analgesia prévia ou sedação suave para conter a resposta ao estresse.Quando o planejamento envolve cirurgias extensas ou tempo de cadeira prolongado, a opção por anestesia geral em ambiente hospitalar pode conferir maior segurança, principalmente se há suspeita de função respiratória fragilizada ou cardiomiopatia associada. Em Anestesia e Distrofia Miotônica para atos odontológicos, o controle do vasoconstritor (adrenalina) na anestesia local é igual ao de pacientes sem a doença, mas é prudente fracionar as doses e monitorar a pressão arterial e a frequência cardíaca.A avaliação pós-operatória imediata detecta se surgem crises de miotonia ou espasmos faciais tardios, devendo-se manter analgesia e aquecimento adequados. Caso persistam manifestações, calmantes suaves ou analgésicos complementares (por exemplo, paracetamol ou opioides de curta duração) podem estabilizar o quadro e facilitar a alta. O cirurgião-dentista e o anestesiologista, integrados, asseguram uma experiência mais confortável, reduzindo riscos de complicações neuromusculares.Ventilação e Monitorização Respiratória
A fraqueza dos músculos esqueléticos na Distrofia Miotônica muitas vezes afeta a mecânica ventilatória, reduzindo gradualmente a capacidade vital e predispondo à retenção de CO₂ no pós-operatório. Em cirurgias de médio ou grande porte, a ventilação mecânica controlada durante a anestesia é fundamental para garantir trocas gasosas adequadas. Se o doente apresentar redução significativa de capacidade vital ou histórico de infecções respiratórias frequentes, pode precisar de suporte ventilatório invasivo por mais tempo, ao final do procedimento.A monitorização respiratória em Anestesia e Distrofia Miotônica integra capnografia, oximetria e análise de complacência. Ajustar volumes correntes — preferencialmente 6-8 mL/kg de peso ideal — e aplicar PEEP moderada ajuda a prevenir atelectasias, mantendo a oxigenação. Se a fraqueza for extrema, a extubação deve ocorrer somente após confirmar reversão plena do bloqueio neuromuscular (TOF > 0,9) e ter certeza de que o doente consegue manobras respiratórias mínimas para proteger as vias aéreas e tossir secreções.No pós-operatório, quando a weaning (redução gradual do suporte ventilatório) se mostra difícil, a fisioterapia respiratória intensiva e as técnicas de assistência à tosse (Cough Assist) podem evitar acúmulo de secreções e colapso alveolar. Alguns pacientes beneficiam-se da ventilação não invasiva na recuperação, atenuando o trabalho respiratório e garantindo oxigenação satisfatória até retomar a força muscular ou aliviar a dor torácica pós-cirúrgica.Exemplos de Casos Práticos
Certa vez, atendi uma mulher de 35 anos com Distrofia Miotônica tipo 1, com envolvimento moderado de membros inferiores e leve acometimento bulbar. Precisava de cirurgia ortopédica para correção de fratura de tíbia. Optamos por anestesia geral com TIVA (propofol + remifentanil) e introdução de rocurônio em doses baixas, tituladas com monitor TOF. Evitamos succinilcolina devido ao risco de hiperpotassemia e rabdomiólise. Durante o ato, mantivemos a temperatura da sala em torno de 24°C para prevenir crises miotônicas, e a analgesia foi robusta, com infusion de remifentanil contínuo. A paciente evoluiu bem, com extubação precoce e sem complicações no pós-operatório imediato.Em outra ocasião, um adolescente de 17 anos, também portador de Distrofia Miotônica e cardiomiopatia leve, precisou de procedimento odontológico extenso. Dada a duração estimada em 2 horas, realizamos sedação monitorada profunda com propofol em bomba e analgesia local. Monitorizamos o ECG e a capnografia, atentos a possíveis crises de miotonia mandibular, mas apenas observamos algumas contraturas rápidas na musculatura da mão, sem interferir no ato. Ao término, o paciente se recuperou rapidamente, sem precisar de internação prolongada. Esses relatos confirmam que o manuseio cuidadoso de drogas e a vigilância da função muscular asseguram bons resultados.Cuidados Pós-Operatórios e Reabilitação
Ao fim da cirurgia, pacientes com Distrofia Miotônica seguem para sala de recuperação anestésica ou UTI, dependendo do porte cirúrgico e da severidade da doença. A vigilância recai sobre sinais de miotonia pós-extubação, controle adequado da dor e prevenção de hipotermia, pois a queda de temperatura pode precipitar espasmos musculares dolorosos e obstruir vias aéreas em casos mais críticos. A analgesia multimodal prossegue, usando fármacos com mínimo impacto na função respiratória.Caso a fraqueza muscular permaneça marcante, há risco de retenção de secreções e hipoventilação. Assim, a fisioterapia respiratória, incentivando inspiração profunda e manobras de tosse assistida, é implantada precocemente. Em Anestesia e Distrofia Miotônica, a hipotensão ortostática também pode aparecer devido ao envolvimento autonômico, pedindo reajustes de fluidos e, em casos extremos, uso cauteloso de vasopressores. Se a cardiomiopatia for grave, o monitoramento do débito cardíaco ou da troponina pode alertar para isquemia ou falência circulatória.No pós-operatório tardio, retomar fisioterapia motora e, se o paciente já fazia reabilitação, intensificar exercícios suaves para manter o tônus e a flexibilidade. A alta hospitalar ocorre quando a ventilação espontânea se mostra estável, a dor é controlada com analgesia oral e não há crises miotônicas significativas. O acompanhamento ambulatorial envolve a equipe de neurologia e, se houver cardiopatia, o cardiologista, ajustando medicações e marcando reavaliações periódicas.Conclusões e Perspectivas Finais
A interação entre Anestesia e Distrofia Miotônica evidencia a necessidade de aprofundar conhecimentos sobre miotonia, fraqueza muscular, possíveis comprometimentos cardíacos e respiratórios. A minúcia na avaliação pré-operatória, a seleção de fármacos que não intensifiquem a miotonia ou provoquem rabdomiólise, a monitorização rigorosa no intraoperatório e a analgesia equilibrada no pós-operatório compõem a base de uma estratégia exitosa para esse público específico. Em paralelo, a colaboração entre equipes (anestesiologista, cirurgião, fisioterapeuta e neurologista) otimiza o desfecho, antecipando riscos e promovendo reabilitação precoce.O cenário futuro provavelmente trará avanços em medicações de bloqueio neuromuscular mais específicas, equipamentos de monitorização neuromuscular e protocolos de fisioterapia respiratória mais eficazes, permitindo maior segurança. Ainda assim, a experiência e o raciocínio clínico do anestesiologista, ao correlacionar cada variável do paciente (grau de miotonia, reserva pulmonar, cardiopatia) ao planejamento do ato anestésico, continuam primordiais para evitar complicações graves como crises miotônicas intraoperatórias, rabdomiólise e insuficiência respiratória.Avaliação pré-anestésica
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