Anestesia e Diabetes: Manejo Metabólico e Cuidados Essenciais

Introdução ao Cenário de Anestesia e Diabetes Mellitus

O diabetes mellitus (DM) destaca-se como um dos distúrbios metabólicos mais prevalentes em todo o mundo, caracterizado pela hiperglicemia crônica decorrente de deficiências na secreção ou na ação da insulina. Suas complicações micro e macrovasculares podem comprometer diversos sistemas, incluindo rins, coração, vasos sanguíneos e nervos periféricos. Em procedimentos cirúrgicos, o controle glicêmico assume papel crucial, pois tanto a hiperglicemia extrema quanto a hipoglicemia podem acarretar instabilidade hemodinâmica e maior incidência de complicações infecciosas ou de cicatrização. Nesse sentido, Anestesia e Diabetes formam um binômio no qual o anestesiologista deve planejar cuidadosamente o manejo perioperatório, equilibrando a manutenção de níveis glicêmicos adequados com a estabilidade hemodinâmica, especialmente em intervenções de maior porte ou em pacientes com comorbidades associadas.A hiperglicemia e suas repercussões — como aumento da osmolaridade, diurese osmótica e risco de distúrbios eletrolíticos — se somam às alterações no sistema cardiovascular, como aterosclerose acelerada e disfunção endotelial, além de neuropatia autonômica, que pode atenuar as respostas compensatórias a hipotensão ou hipovolemia. Tais fatores intensificam a complexidade do ato anestésico, pois o paciente diabético, principalmente em estágios avançados ou mal controlados, torna-se mais suscetível a alterações bruscas de pressão arterial e respostas imprevisíveis aos fármacos anestésicos. Ao mesmo tempo, infecções e dificuldade de cicatrização reforçam a necessidade de um controle fino da glicemia durante e após a cirurgia.Este texto discutirá desde a avaliação pré-operatória no doente diabético até os ajustes de fármacos e estratégias anestésicas, destacando procedimentos de grande e pequeno porte, inclusive os odontológicos. Ao final, busca-se fornecer um panorama consistente sobre como conduzir Anestesia e Diabetes de modo seguro, minimizando instabilidades metabólicas e otimizando os desfechos clínicos para o paciente. 

Fisiopatologia do Diabetes e Impacto no Perioperatório

O diabetes mellitus envolve alterações na secreção de insulina (DM tipo 1) ou na sensibilidade à insulina (DM tipo 2), resultando em hiperglicemia sustentada. As complicações sistêmicas incluem microangiopatia (retinopatia, nefropatia e neuropatia) e macroangiopatia (doença arterial coronariana, doença vascular periférica, AVC). Além disso, o metabolismo de carboidratos e gorduras sofre desequilíbrios que podem levar a estados hiperglicêmicos graves (cetoacidose diabética ou estado hiperglicêmico hiperosmolar) ou a hipoglicemias se a terapia medicamentosa for desajustada.No entorno de Anestesia e Diabetes, as alterações microvasculares prejudicam a perfusão tecidual e a cicatrização, enquanto as macrovasculares aumentam a probabilidade de eventos isquêmicos (infarto do miocárdio, insuficiência arterial periférica). A neuropatia autonômica, comum em casos mais antigos ou mal controlados, pode mascarar sinais de hipoglicemia e comprometer as respostas cardiovasculares a hipotensão ou variações de volume. Já a gastroparesia, decorrente de neuropatia autonômica gastrointestinal, prolonga o esvaziamento gástrico, intensificando o risco de broncoaspiração durante a indução anestésica.O estado de estresse cirúrgico, por sua vez, eleva a secreção de catecolaminas, cortisol e glucagon, estimulando a gliconeogênese e a lipólise, o que agrava a hiperglicemia se não houver ajuste na administração de insulina ou hipoglicemiantes. Caso a glicemia permaneça excessivamente alta, eleva-se a incidência de infecções e disfunções orgânicas no pós-operatório. Portanto, compreender a fisiopatologia do diabetes e sua repercussão sistêmica é fundamental para planejar uma anestesia que preserve estabilidade metabólica e minimize complicações. 

Avaliação Pré-Anestésica e Otimização do Paciente Diabético

Na consulta pré-operatória, o anestesiologista investiga o tipo de diabetes (1 ou 2), tempo de diagnóstico, uso de insulina ou antidiabéticos orais, e a existência de complicações microvasculares (retinopatia, nefropatia, neuropatia) ou macrovasculares (doença coronariana, doença vascular periférica). Avaliam-se a rotina de controle glicêmico, valores recentes de glicemia capilar e a hemoglobina glicada (HbA1c), se disponível, pois níveis acima de 8-9% sinalizam um controle insatisfatório, implicando maior risco cirúrgico.A presença de nefropatia requer cautela na administração de fármacos excretados pelos rins, enquanto a coronariopatia subjacente demanda estratificação do risco cardíaco e eventuais exames complementares (eletrocardiograma, ecocardiograma). A neuropatia autonômica pode manifestar-se por hipotensão postural, taquicardia de repouso ou ausência de resposta compensatória a estímulos. Para Anestesia e Diabetes, definir a capacidade funcional e a estabilidade metabólica do paciente norteia a estratégia de analgesia, sedação ou anestesia geral, além de apontar a necessidade de monitorização mais intensa no pós-operatório.Se for programada uma cirurgia eletiva, recomenda-se otimizar o controle glicêmico dias ou semanas antes do procedimento, ajustando doses de insulina e avaliando possíveis efeitos de medicações orais hipoglicemiantes. Alguns agentes como a metformina podem ser suspensos 24 a 48 horas antes de cirurgias maiores, dependendo do risco de acidose lática, principalmente em casos de insuficiência renal ou jejum prolongado. Assim, a avaliação pré-anestésica detalhada e a correção de desequilíbrios metabólicos, quando factíveis, melhoram a tolerância ao estresse cirúrgico. 

Interações Farmacológicas e Controle Glicêmico Intraoperatório

Durante o ato cirúrgico, o controle glicêmico assume papel crucial para evitar complicações. Em Anestesia e Diabetes, manter a glicemia idealmente entre 140 e 180 mg/dL no intraoperatório é uma meta amplamente aceita, pois níveis muito baixos (<70 mg/dL) podem gerar hipoglicemia, enquanto valores muito altos (ex. >250 mg/dL) favorecem infecções e instabilidade hemodinâmica. O anestesiologista monitora a glicemia capilar ou venosa em intervalos regulares e, se necessário, administra insulina endovenosa (em bomba de infusão) ajustada conforme protocolos de insulinoterapia intensiva. Também se corrige discretamente a hiperglicemia de forma gradativa para evitar oscilações abruptas.Alguns agentes anestésicos e sedativos podem alterar a glicemia ou a resposta endócrina ao estresse. A cetamina, por exemplo, estimula a liberação de catecolaminas, elevando a glicose sanguínea, enquanto anestésicos inalatórios e opioides podem atenuar o metabolismo basal, reduzindo discretamente a glicemia. Portanto, a monitorização frequente indica se há necessidade de suplementar glicose em caso de hipoglicemia ou aplicar insulina endovenosa para hiperglicemia. Soluções de soro glicosado devem ser usadas com parcimônia, sobretudo em pacientes com controle glicêmico deficiente.A analgesia equilibrada também impacta o equilíbrio glicêmico, pois a dor aguda estimula a secreção de hormônios contrarreguladores. Assim, a manutenção de um plano anestésico e analgésico estável reduz as flutuações adrenérgicas e, consequentemente, a liberação exacerbada de glicose pelo fígado. No caso de cirurgias longas, o anestesiologista avalia a necessidade de intercalar soluções com ou sem dextrose, mantendo a glicemia em faixa estável. 

Definição de Técnica Anestésica: Geral, Regional ou Combinada

Pacientes diabéticos podem se submeter a cirurgias de variado porte, desde pequenas intervenções ambulatoriais até procedimentos extensos (cirurgia de revascularização do miocárdio, transplante renal, etc.). Em intervenções de grande porte, a anestesia geral habitualmente predomina, pois permite o controle completo das vias aéreas e a possibilidade de ajustar a profundidade anestésica e a ventilação conforme a evolução do ato cirúrgico. Nesses casos, a TIVA (propofol, remifentanil) ou o uso de anestésicos inalatórios (sevoflurano, desflurano) se tornam viáveis, com doses adaptadas à função cardiovascular e ao risco de arritmias.A anestesia regional (raquianestesia, peridural) oferece benefícios em cirurgias de membros inferiores ou abdominais baixas, reduzindo o uso de opioides sistêmicos e proporcionando analgesia prolongada. Contudo, neuropatias diabéticas periféricas ou risco de coagulopatia (retinopatia proliferativa, disfunção hepática associada) podem contraindicar bloqueios neuraxiais extensos. Além disso, em casos de gastroparesia severa, a sedação deve ser bem calculada para evitar broncoaspiração, pois pode haver grande volume gástrico residual. Se houver gastroparesia severa, a sedação deve ser bem calculada para evitar broncoaspiração, pois pode haver grande volume gástrico residual. Em cirurgias menores ou diagnósticas, a associação de sedação leve e anestesia local pode ser suficiente, sempre considerando as complicações possíveis do diabetes (hipertensão, arritmias, neuropatia autonômica que prejudica a estabilidade hemodinâmica).Assim, a definição da técnica anestésica em Anestesia e Diabetes parte da complexidade do procedimento, do grau de controle glicêmico e da presença de complicações cardiovasculares ou neuropáticas, priorizando a segurança e a manutenção de níveis glicêmicos adequados. 

Abordagem Odontológica em Pacientes Diabéticos

No cenário odontológico, o controle da dor e a prevenção de infecções ocupam posições de destaque em pacientes com diabetes, já que a hiperglicemia prolongada reduz a imunidade e compromete a cicatrização de feridas, intensificando o risco de complicações locais. Para pequenos procedimentos — restaurações ou extrações simples — a anestesia local com vasoconstritores (como a adrenalina 1:100.000) costuma ser eficaz, desde que o diabetes esteja relativamente sob controle (glicemias abaixo de 200 mg/dL e sem cetoacidose).Se o paciente apresenta retinopatia avançada ou nefropatia, aumenta a probabilidade de coagulopatia ou hipovolemia leve. Em Anestesia e Diabetes, mesmo no consultório odontológico, o cirurgião-dentista deve aferir a glicemia capilar previamente e monitorar o paciente para detecção de hipoglicemia ou hiperaguda. Em casos de intervenções prolongadas ou complexas, recorre-se à sedação leve ou moderada, com uso de midazolam ou propofol em baixas doses e monitorização básica (oximetria, ECG, pressão arterial). O profissional avalia a necessidade de antibioticoprofilaxia, dependendo do controle glicêmico e da presença de complicações associadas (p. ex., próteses valvares, mas também retinopatia proliferativa).Ao final do procedimento, a recomendação de se alimentar em horário e manter a medicação antidiabética ou insulina nas doses estabelecidas evita hiperglicemia ou hipoglicemia rebote. Caso haja suspeita de mau controle metabólico ou risco elevado de infeção, o melhor é realizar o tratamento em ambiente hospitalar, sob supervisão de anestesiologista. Deste modo, a abordagem odontológica segura no paciente diabético requer uma anamnese cuidadosa, monitorização glicêmica e estratégias para minimizar dor e sangramento. 

Manejo Intraoperatório e Monitorização Avançada

Nos casos de cirurgias de porte maior ou que demandem tempo prolongado, a monitorização invasiva do paciente diabético pode se mostrar útil, sobretudo se houver cardiopatia isquêmica ou nefropatia. O cateter arterial permite aferir a pressão arterial batimento a batimento, e facilita a coleta frequente de gasometrias e glicemias, assegurando o ajuste contínuo do controle glicêmico. Um acesso venoso central é oportuno quando se suspeita de volemia instável ou uso de aminas vasoativas, comum em doentes com insuficiência cardíaca ou hipertensão grave. Em Anestesia e Diabetes, a “linha de cuidado glicêmico” deve prever aferições de glicemia a cada 30-60 minutos, ajustando a insulina endovenosa ou a infusão de dextrose segundo protocolos.Durante o ato cirúrgico, a hipotermia e a acidose prejudicam a ação da insulina e podem exacerbar a hiperglicemia. Por isso, manter temperatura corpórea normal e um equilíbrio ácido-base adequado é fundamental. Também se deve ter atenção às perdas de fluidos; a reposição com cristaloides isotônicos (Ringer lactato ou soluções balanceadas) costuma ser preferível a soluções glicosadas, a menos que surja hipoglicemia, momento em que se administra glicose de maneira controlada. A analgesia equilibrada, evitando picos de dor, coíbe a resposta adrenérgica que libera ainda mais glicose no sangue, estabilizando melhor o doente.Se a cirurgia for extensa, o anestesiologista monitora a diurese para detectar precocemente hipovolemia ou insuficiência renal aguda. A associação de neuropatia autonômica pode prejudicar a compensação cardiovascular a perdas sanguíneas, mascarando taquicardia ou quedas de pressão até que a hipoperfusão esteja grave. Assim, a soma de monitorização glicêmica frequente, cuidados hemodinâmicos e aquecimento protegem o paciente diabético contra desequilíbrios metabólicos ou hemodinâmicos no transoperatório. 

Exemplos de Casos Práticos

Certa vez, atendi um homem de 55 anos com diabetes tipo 2 mal controlado (HbA1c de 10%), hipertenso e com nefropatia incipiente. Precisava de colecistectomia aberta. A anestesia foi geral com indução venosa (etomidato, fentanil), e mantivemos sevoflurano em baixas concentrações. Instalei cateter arterial para acompanhar a pressão e coletar glicemias a cada 30 minutos. No intraoperatório, as glicemias variaram entre 150-180 mg/dL, pois ajustamos bomba de insulina endovenosa conforme protocolo. Não houve hipotensão significativa, mas o doente apresentou débito urinário reduzido, corrigido com reposição de fluidos. A cirurgia transcorreu bem, e a glicemia final era cerca de 160 mg/dL, sem acidose ou hiperpotassemia. Ele teve alta da UTI em 24 horas, mantendo controle glicêmico mais estreito no pós-operatório.Noutro contexto, tratei uma senhora de 60 anos, diabética tipo 1, para uma cirurgia de catarata sob anestesia local e sedação leve. Ela possuía bom controle glicêmico, sem complicações renais, mas relatava episódios ocasionais de hipoglicemia. Optamos por analgesia local (bloqueio retrobulbar) e sedação com doses fracionadas de midazolam, vigiando a glicemia capilar antes e após o procedimento de 20 minutos. A pressão arterial se manteve estável, e a glicemia final foi 130 mg/dL, sem intercorrências. O pós-operatório correu livre de hipoglicemia. Esse caso ilustra como procedimentos de pequeno porte podem ser seguros em doentes diabéticos bem controlados, com ajustamentos mínimos da rotina de insulina. 

Pós-Operatório e Reabilitação Metabólica

Encerrada a cirurgia, o período pós-operatório do paciente diabético envolve prevenção de complicações como hiperglicemia persistente, hipoglicemia, infecções e tromboses. A monitorização da glicemia continua em intervalos regulares, pois o estresse cirúrgico e as variações hormonais pós-operatórias podem aumentar a resistência à insulina. Em intervenções maiores, a permanência em UTI ou unidade semi-intensiva é comum, garantindo que hipotermia, dor, acidose ou dificuldades respiratórias sejam prontamente tratados.Se o controle glicêmico no intraoperatório foi por via endovenosa, a transição de volta para o regime habitual (insulina subcutânea ou antidiabéticos orais) acontece gradualmente, para evitar flutuações bruscas. As feridas cirúrgicas merecem atenção redobrada: a cicatrização tende a ser mais lenta, e o risco de deiscência e infecção maior se houver hiperglicemia ou desnutrição. Por isso, o suporte nutricional e a fisioterapia precoce promovem recuperação funcional e evitam complicações tromboembólicas.Em Anestesia e Diabetes, a analgesia pós-operatória deve balancear opioides, anti-inflamatórios não esteroides (com cautela em casos de nefropatia) e técnicas regionais continuadas (quando seguras e compatíveis com a coagulação), para proporcionar conforto e estabilidade metabólica. Com a melhora progressiva, o paciente retoma gradualmente suas medicações habituais, acompanhando a glicemia em casa com maior frequência nos primeiros dias. A alta hospitalar requer follow-up com endocrinologia ou clínica médica, visando manter a hemoglobina glicada em metas adequadas e prevenir deterioração crônica do quadro. 

Considerações Finais e Perspectivas Futuras

A interface entre Anestesia e Diabetes confirma a importância de personalizar a condução anestésica conforme a gravidade do quadro metabólico e as eventuais complicações vasculares e neurológicas. A vigilância contínua dos níveis glicêmicos e a titulação criteriosa de fármacos permitem manter estabilidade intraoperatória, reduzindo infecções e disfunções orgânicas no pós-operatório. A sincronização com equipes de clínica médica, endocrinologia e cirurgia potencializa a segurança do paciente, sobretudo em cirurgias complexas ou de urgência.O futuro aponta para sistemas de infusão de insulina automatizada, acoplados a sensores glicêmicos de alta precisão, que poderão oferecer controle quase em tempo real durante cirurgias, equiparando-se ao que já ocorre em alguns dispositivos de “pâncreas artificial” em uso ambulatorial. Aliado a isso, a pesquisa de anestésicos com menor impacto no metabolismo da glicose e analgesia minimamente invasiva deve aperfeiçoar a experiência cirúrgica do doente diabético, reduzindo hospitalizações prolongadas.

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